sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

OS DOIS NÍVEIS DE AÇÃO DA IGREJA

A idéia de que sem evangelização o mundo não muda tem servido de desculpa e obstáculo para a inserção dos cristãos no mundo político-social. Dizer que somente a evangelização poderá mudar o panorama de injustiça que nos cerca é dizer uma meia verdade. Outro dia alguém disse para mim que o problema da violência do Rio de Janeiro não tem solução. Mas, como já disse anteriormente, cidades como Paris, Amsterdam, Roma, Santiago do Chile, que não são majoritariamente cristãs, vivem com índices de violência significativamente menores do que os nossos. Não é fato que há famílias de não cristãos que têm um nível de amor, interação e respeito humano que nos supreende e envergonha quando contrastado com o nosso? Como explicar não cristãos se comportando como cristãos? (é bem verdade que o contrário corresponde a um enigma maior, cristãos se comportando como se Deus não existisse).

Deixe-me fazer entender, pois se há um título que gostaria de levar na vida é o de evangelista, e em conexão a isto, posso afirmar com sinceridade de alma que, tudo o que conheço de teologia me leva a crer que a evangelização é a principal missão da igreja. Como conciliar esta declaração com a anterior?

Há mudanças na vida humana que poderíamos chamar de ideais é há mudanças que poderíamos chamar de relativas. A obra que a evangelização é capaz de operar no coração do homem é o que poderíamos chamar de ideal. Por que? Por três motivos: Primeiro, porque através da evangelização homens são salvos dos seus pecados; segundo, porque a evangelização leva o homem a libertação do poder do pecado. Eu diria que há no comportamento do ser humano convertido espontaneidade. Ele faz o que faz porque ama. Terceiro, a evangelização glorifica a Deus, pois todas as obras que se seguem a ela são tributadas a Cristo.

Não podemos nos esquecer, contudo, que há mudanças operadas na sociedade por intermédio da igreja que são parciais, imperfeitas, relativas, não salvíficas no sentido pleno da palavra, porém absolutamente necessárias para que vivamos uma vida com um mínimo de saúde social. Nem sempre a igreja (o crente em geral) leva aquele que com ela manteve contato à experiência da salvação (obra que encontra-se no âmbito dos decretos eternos e soberanos de Deus). Mas, em muitas ocasiões a atuação da igreja no seio da sociedade pode levar homens e mulheres a amarem o que é justo e bom, muito embora o façam sem ter a glória de Deus como meta. Isto pode representar para a sociedade leis mais justas, defesa da dignidade da vida humana e libertação dos sistemas que tiranizam o homem.

Nestas ocasiões é mister que a igreja saiba separar a autoridade que vem de cima da autoridade que vem de baixo. Uma é autoridade da Bíblia, outra é a autoridade do senso comum, da razão e dos valores que são comuns a todos os membros da nossa raça. Nem todos crêem. Muitos jamais crerão. Milhares não concordam com a cosmovisão cristã. O fato óbvio da vida é que os cristãos têm que viver em sociedades compostas por homens e mulheres que não reconhecem a autoridade da Bíblia sobre as suas vidas. Somos forçados, sendo assim, a viver em um mundo profundamente pluralista, marcado pela necessidade de aprendermos a exercitar o diálogo e a tolerância. Neste sentido, impõe-se aos cristãos a necessidade de usar os pontos de convergência das aspirações dos seres humanos em geral como ponto de partida para o diálogo. O presssuposto deste tipo de plano de ação relaciona-se a dois campos doutrinários: o campo da antropologia e o campo da graça.

A Bíblia diz que o homem foi criado a imagem e semelhança de Deus, e embora admita o fato da queda humana, não deixa de asseverar que esta imagem não foi perdida. Há, portanto, características que nos são comuns. Mas não apenas isto, a Biblia nos apresenta o conceito de graça comum. Há uma graça especial que salva e transforma por completo a vida. Há ao mesmo tempo uma graça comum, derramada por Deus sobre todos, daí o adjetivo de "comum". Através desta graça Deus leva o homem a praticar obras que se assemelham em muito às obras de um regenerado, com exceção do fato de que as obras daqueles são carentes do elemento de amor pelo Criador, que é justamente o que caracteriza uma boa obra como tal aos olhos de Deus.

Qual o ponto onde quero chegar? Há amplo respaldo teológico para defendermos a causa do direito e da justiça na rua, associação de moradores, congresso nacional, entre outros locais e instituições mais, contando com esta graça para que "vivamos vida tranqüila e mansa com toda a piedade e respeito" (I Tm 2:2), enquanto caminhamos de joelhos na mais profunda dependência da misericórdia de Deus.

Evangelizar é essencial. Nossa missão maior. Mas, o que fazer quando alguém que mora na nossa cidade, com quem temos que interagir para a construção da nossa sociedade, cujo voto tem o mesmo poder do nosso, vira-se para nós e diz: "eu não creio na fé que você professa"? Certamente que vamos lamentar pela vida dessa pessoa. Vamos continuar tendo amor por ela, respeito à imagem e semelhança de Deus que ela carrega. E mais, vamos orar pela sua conversão e fazer com sabedoria o que estiver ao nosso alcance para que tal dia chegue. Mas, enquanto esse dia não chegar, o que pode ser que jamais aconteça, nas ocasiões em que tivermos que decidir com ela os rumos da nossa sociedade, a nós nos cabe usar o campo intelectual que nos é comum, enquanto contamos com a graça de Deus, capaz de fazer com que homens incrédulos façam obras parecidas com a dos regenerados.

Há uma base Bíblica para a igreja ir para as ruas protestar, redigir abaixo-assinados, apresentar projetos de lei no congresso, tanto quanto há base bíblica para a igreja organizar uma campanha de evangelização.

O Brasil está precisando de ambas as coisas. Milhares ainda não se converteram e carecem de uma igreja que expresse o seu amor pelos perdidos mediante a proclamação do evangelho. Por outro lado, milhares ainda não são tratados como seres humanos e carecem de uma igreja que expresse o seu amor pelos injustiçados mediante a proclamação da justiça. Creio firmemente que quando chegar o dia de passarmos a atentar para a causa destes, aqueles virão a ter os ouvidos abertos para a nossa mensagem, a começar pelos que foram objeto de tamanha misericórdia por parte da igreja.

Antônio Carlos Costa

Um comentário:

  1. Caro Rev Antonio Carlos,

    penso que seu artigo é esclarecedor e bastante preciso na avaliacão e nos desafios que temos como Igreja no Brasil. Entretanto, permita-me fazer uma observação : Não lhe parece também que, antes de tudo, o problema maior não está no conteudo desta pregacão evangelistica ? O que quero dizer é o seguinte : a "alienacao" do evangelico brasileiro e esta sua postura escapista ( Basta que preguemos ) não é resultado de um pseudo-evangelho que tem sido ensinado ? Estou certo de que devemos trabalhar nas duas frentes, mas até que ponto ouvirao, se não há quem pregue ???

    Deus o abencoe muito !!!!

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