quinta-feira, 26 de abril de 2007

ESPERANÇA, LÁGRIMAS E PARTICIPAÇÃO

Nunca vivi dias tão premidos, intensos e desafiadores como estes de 2007. Iniciar o Rio de Paz, sem parar a vida como um todo a fim de me dedicar a tarefa tão complexa, dar seqüência aos programas de TV, continuar fazendo os sermões, cuidar da família, lidar com o dia-a-dia do ministério, dar continuidade às pesquisas do doutorado e me equipar intelectualmente para o envolvimento com uma área para a qual não tenho preparo adequado (falo da esfera política), confesso, não tem sido fácil.

As alternâncias de experiências emocionais têm sido a marca desta fase da minha vida. Por um lado, o encanto com o evangelho, a emoção de servir a um Deus tão excelente e de perceber que na sua Palavra tenho respostas honestas para oferecer a uma geração desorientada e que não sabe lidar com os graves problemas sociais que enfrenta. Por outro lado, o contato com a tragédia humana. Uma das experiências mais duras é ouvir os relatos repletos de angústia, revolta e saudade dos parentes das vítimas. Tenho conversado com muitos. E nesses encontros percebo que por trás de cada assassinato há uma família com uma ferida incurável no coração dos seus membros - pai, mãe, marido, esposa, filho, filha, avô, avó e assim por diante.

O choque do contato com a maldade humana é outro aspecto dessa experiência tão carregada de perplexidade. Ouço falar de estupros, animais entregues à inanição a fim de saciarem sua fome nas vítimas humanas, torturas que levam a vítima à agonia antes de ter sua vida interrompida, pais que não sabem o paradeiro dos seus filhos, mães que só querem saber que matou seus filhos, entre tantos absurdos mais. Não há miséria que explique a forma como se mata no Estado do Rio de Janeiro. A vida não é apenas ceifada, é levada ao desespero e humilhação antes de ser sentenciada à morte. Por que jogar futebol com a cabeça da vítima? Por que degolar e arrancar os seios da moça que se recusou a continuar namorando o traficante? Por que retalhar todo o corpo da vítima antes de assassiná-la? Em muitas ocasiões chego em casa e encontro dificuldade de sacar da minha mente toda essa desgraça. Nunca compreendi tanto o que leva um ser humano à loucura após voltar de um campo de guerra.

Em meio a tudo isso, uma amiga pede que eu visite seu pai em estado terminal de câncer. Um homem que conheci no auge de sua força física e produção profissional. Agora, alquebrado, sentindo dores horríveis e lutando para adquirir uma sobrevida. O telefone da minha casa toca e do outro lado da linha alguém diz que a Korina havia morrido. Korina era uma moça de 25 anos, mãe de um filho de 3, que despencou de uma altura de 30 metros com o seu carro de um viaduto na cidade de Niterói. Morte instantânea. Há muito que eu não a via, bem como seus familiares que moram no prédio onde durante muitos anos habitei com meus pais. Não havia como deixar de visitá-los. A família aos prantos. E lá estava eu, saindo dos relatos de desespero de pais que tiveram seus filhos assassinados, tentando levar consolação para uma família que estava enfrentando a tragédia para a qual o Estado não tem solução. As lutas da vida debaixo do sol.

Conclusão: a vida é dura, curta e incerta. Duramos pouco. Não posso entender como os seres humanos podem viver sem esperança, descartar o cristianismo sem ao menos haver parado para considerá-lo. Lembro-me da aposta de Pascal: "Aposte tudo em Deus. Se você ganhar, ganhou tudo. Se você perder, não perdeu nada". Graças a Deus o cristianismo não é uma aposta porque Jesus ressuscitou. Por isto investimos tudo no seu reino. Quão tolo é aquele, por outro lado, que corrompe, mata e destrói. Corre atrás do vento. Dedica-se com ardor àquilo de que um dia haverá de se separar, pois mais alguns verões, mais alguns outonos, mais alguns invernos e mais algumas primaveras e todos teremos que dizer adeus ao que tanto valorizamos e pelo que fizemos tanta loucura e cometemos tantas afrontas aos céus.

Penso no Estado e no seu papel. Bem que ele poderia servir para atenuar todo o sofrimento que nos assola, impedir que dores desnecessárias fossem acrescentadas à vida. Nossa existência se dá em meio a inúmeras dores e incertezas, e, nós, no Brasil, a tornamos inviável por havermos permitido surgir uma nação tão desumana e em nada promotora e preservadora dos direitos humanos.

O que cabe a todos nós fazer? Sair em busca de uma esperança. De algo que seja maior do que uma nação possa oferecer. Buscarmos a certeza de que a vida não termina no túmulo e que há sentido na história. Essa esperança tem que ter uma base intelectual adequada. Não pode funcionar como uma droga que alucina. Tem que consolar o coração a partir de premissas muito bem fundadas. Nunca encontrei nesta vida porto mais seguro do que Cristo. Mais do que tudo nele pude encontrar. Sua história haveria de requerer a existência de um Cristo para ser inventada. Que Deus é esse que pune nossos pecados na pessoa do seu Filho amado a fim de que sejamos salvos? Há uma prova estética nisso tudo. O argumento da beleza. Esse Deus é o único Deus verdadeiro em razão da sua incomparável beleza. Mas, precisamos agir também. Firmados nessa esperança que empresta sentido à nossa vida, saiamos para tornar o vale de lágrimas que é esse mundo em que vivemos num lugar que seja melhor do que é, ou, não tão ruim quanto poderia ser (ou quanto tem sido). Que tornemos o nosso país uma nação onde as aflições comuns a todos os mortais sejam mitigadas por um Estado que confira dignidade à vida humana. Mas, não apenas isso, enquanto lutamos por um país justo, que mantenhamos os nossos olhos fitos na esperança que nos foi trazida pelo evangelho: "E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram".

Antonio Carlos Costa



quarta-feira, 18 de abril de 2007

O DESARMAMENTO IMEDIATO DO RIO


O Rio precisa ser desarmado. O Rio precisa ser desarmado já. Não há espaço para a discussão de soluções de médio e longo prazo para o problema da violência enquanto não pararmos para tratar do que precisa ser feito a curto prazo. Estamos em guerra. Tecnicamente falando, eu sei, não é a melhor palavra para descrever o que estamos enfrentando. Não vivemos uma luta armada entre nações. Como dar nome, contudo, ao que está ocorrendo entre nós? O que representam as cenas de ontem no Catumbi? Penso que uma boa forma de começarmos a lidar com o problema é dar-lhe uma designação que nos ajude a encará-lo em toda a sua gravidade e horror – vivemos uma guerra. Uma guerra intestina que pode desembocar numa guerra civil mais ampla. A maior ameaça à nossa democracia desde o processo de abertura política.
Estando dentro de um contexto de guerra, se sentindo como se estivesse num campo de batalha e vendo a vida de milhares de cidadãos cariocas interrompidas todos os dias pelo crime organizado, a sociedade do nosso estado clama e carece de uma coalizão imediata entre exército, polícia militar e civil que desarme o Rio de Janeiro e estanque esse rio de sangue.
Penso que não seria demais pensarmos num Dia D, ou Mês D. Uma ação inteligente e com um mínimo de letalidade que traga ordem para as inúmeras áreas da cidade onde as coisas correm à revelia do Estado de Direito. O que é um absurdo completo. Estamos todos dentro de um pacto. O chamado Contrato Social. Parte da cidade está desarmada. Abriu mão do direito de se defender a fim de colocá-lo nas mãos do Estado. E quando olhamos para certas localidades do Rio de Janeiro vemos centenas e centenas de homens armados com armas de guerra e determinando todo o curso de vida de milhares de seres humanos – decretando o destino de uma cidade inteira. Não sei como o carioca consegue conviver com isso sem fazer nada.
Penso numa ocupação por parte do exército de pelo menos um ano, que tenha como meta não apenas proteger as vias expressas, mas arrancar as armas daqueles que não têm o direito de portá-las. Essa ação seria acompanhada de um investimento pesado na área da segurança pública (segurança não tem preço), a fim de que as regiões desarmadas sejam em seguida ocupadas pela nossa polícia com a concomitante chegada de recursos que tragam dignidade àqueles que vivem nessas áreas onde a desordem reina ao lado da miséria. Isto é um sonho de um carioca ingênuo que nada sabe sobre segurança pública? Admito a minha ingenuidade. E peço que os que me julgam considerem o fato de que quem escreve estas linhas o faz a partir da sua perplexidade, sofrimento, angústia, desejo de mudança e falta de uma proposta de implementação imediata dada pelo poder público para o gravíssimo problema que enfrentamos.
Ora, povos no passado enfrentaram problemas mais graves do que os nossos e ofereceram uma solução rápida para os seus conflitos. Na Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra teve que subitamente enfrentar uma Alemanha armada, treinada e determinada a subjugar as nações livres. A Inglaterra inteira se mobilizou. Os partidos políticos eliminaram suas diferenças. Um governo de coalizão nacional foi formado. Todos se puseram ao lado do primeiro-ministro Winston Churchill. Durante aproximadamente dois anos os ingleses ficaram sós na guerra. E em meio a muitas baixas entre civis a militares, o povo inglês deteve o avanço da forças nazistas. Se o Brasil não é a Inglaterra da década de quarenta do século passado, o crime organizado do Rio de Janeiro não é uma Alemanha com 70 milhões de habitantes determinada a conquistar o mundo. Se o exército brasileiro não é capaz de desarmar o Rio de Janeiro e preparar o caminho para uma ação de ocupação de uma polícia civil e militar bem remunerada, bem treinada e limpa, nós não temos exército. Mas, sabemos que este não é o caso. O trabalho que o nosso exército está fazendo hoje no Haiti é prova cabal de que temos militares inteligentes, capazes e que podem trazer ordem com um mínimo de derramamento de sangue para uma área onde impera a desordem que gera o crime.
Penso que a hora de agir é agora. O quadro é caótico. A paciência da população está se esgotando. Criamos uma situação que dá margem a um mundo de ações que podem trazer mais desordem para a nossa cidade e que encontrará justificativa no colapso da segurança pública e na necessidade de se sair em defesa da vida. Antes que esse dia chegue, tomemos a decisão de agir com coragem. Algo fascista pode surgir no nosso país. A população tem demonstrado raiva. Não haverá quem poderá deter a fúria de milhares cidadãos indignados com a perda mediante assassinato de milhares de seres humanos. Sem contar a presença de arruaceiros e de tantos outros que não querem ou não sabem lidar com os problemas através dos canais democráticos estabelecidos pelo Estado de Direito. Há brasileiros que não sabem o que é o horror de uma anarquia civil.
Soluções a médio e longo prazo são fundamentais caso queiramos tratar do problema a partir da sua raiz social. Deixá-las de lado é tratar de uma metástase com aspirina. Quando o paciente, porém, encontra-se entre a vida e a morte, medidas emergenciais precisam ser tomadas. Primeiro, salva-se o doente. Garante-se uma sobrevida. Depois, decide-se sobre o tratamento a ser seguido para que haja uma completa restauração da sua saúde. O Rio de Janeiro carece de uma ação emergencial. Não há o que justifique lentidão por parte do poder público quando se trata da preservação da vida de milhares de pessoas que estão sendo mortas todos os dias no morro e no asfalto da nossa cidade.

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz

terça-feira, 17 de abril de 2007

PENA DE MORTE NO BRASIL

Penso que discutir pena de morte num contexto de corrupçao institucional, péssima distribuiçao de renda, ausência de educaçao,entre outras mazelas sociais mais, é cometer o erro grave de tratar da punição sem antes tratar da prevenção. Punir é essencial para a sobrevivência do Estado (não sou contra de modo algum a elaboração de leis suficientemente duras e de aplicação certa a ponto de tornar o crime um péssimo negócio), mas como diz Beccaria: "É melhor prevenir o crime do que puni-lo".

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Quanto a questão da redução da maioridade penal: Não se deve dar tratamento igual para desiguais. Há na filosofia moral o conceito de responsabilidade diminuída e de responsabilidade aumentada. Uma é a culpa do deputado corrupto outra é a culpa do miserável iletrado. Uma é a culpa de um homem de 40 anos de idade, outra é a culpa de um garoto de 16 anos de idade. Como, porém, o garoto de 16 anos que praticou o crime (especialmente o chamado hediondo), revelou tão precocemente uma inclinação para a prática do mal (tendência que pode vir a ser debelada), a sociedade tem o direito de exigir por parte do Estado um tratamento para o problema que não seja romântico e que não barateie em nome do amor pelo adolescente criminoso a segurança daquele que pode um dia vir a ser vítima desse mesmo rapaz.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

OS MIL CARIOCAS DEITADOS NO CALÇADÃO DE COPACABANA

Creio que nesses últimos anos, em poucas ocasiões, o brasileiro pôde ver cena tão comovente quanto a que foi vista na praia de Copacabana neste último sábado. Mil cariocas tomaram a decisão de atender a um apelo em favor da paz. Toda essa gente, no meio de um feriado de páscoa, sob sol escaldante, vinda de todos os pontos do Grande Rio, decidiu se deitar, em meio a dejetos de animais, numa calçada quente, para dizer que não quer viver num Rio de Janeiro onde o sangue do carioca não vale nada – um Estado que permitiu que 1000 cidadãos seus fossem assassinados em menos de três meses.

O que esta Auschwitz representa? Em primeiro lugar, uma ameaça à democracia. Brasileiros estão começando a duvidar de que a democracia seja o melhor sistema de governo que existe. Isto porque nossa democracia é democracia sem ordem, e por isso estorva o progresso. O sistema de governo menos ruim que existe, a democracia, está sendo ameaçado no Brasil pelo menosprezo à vida e corrupção de uma geração de brasileiros incrivelmente cruéis e apáticos. Há o brasileiro perverso, que mata, corrompe e explora. Há o brasileiro gente boa, mas inerte. Brasileiro que não compreende, conforme ressaltou Edmund Burke, que, “para que o mal triunfe, é necessário apenas que os homens de bem permaneçam inativos”.

Essa crise na segurança pública expõe a nação ao perigo de uma guerra civil. Estamos dando margem ao surgimento de algo fascista, perverso, violento, antidemocrático que encontre sua justificativa na nossa desordem, insegurança e corrupção. Se, hoje, alguém parar o trânsito do Rio de Janeiro em protesto contra a violência, quem vai poder lhe dizer que ele está errado? Especialmente se essa pessoa for parente de vítima assassinada, ou pai de um garoto morto por meio dessa coisa perversa, maligna e indecente chamada bala perdida.

Mas o pior de tudo é a vida que foi ceifada. E o pai, a mãe, o filho, a filha, o irmão, a irmã, o marido, a esposa, o amigo, a amiga, que estão envelhecendo antes do tempo, após terem enterrado alguém por quem eram capazes de dar a vida e, que contudo, teve sua vida interrompida pelo crime.

Por tudo isso e muito mais, afirmo que o que houve em Copacabana neste último sábado foi grandioso. Nenhuma desordem. Famílias inteiras reunidas. O pai deitado ao lado da mãe e dos filhos. Pessoas de todas as camadas sociais. Moradores de condomínios da Barra da Tijuca e cidadãos do município de Nova Iguaçu que chegaram em três ônibus lotados. Gente idosa ao lado de adolescentes. Cidadãos cariocas completamente diferentes e unidos – estava lá o Tico dos Detonautas com sua pele cheia de tatuagem ao lado do crente pentecostal que jamais tatuaria o seu corpo. O cristão de igreja evangélica que orava enquanto permanecia deitado ao lado daquele que não se imagina dentro de um templo protestante. Parentes de vítimas ao lado de pessoas que decidiram não esperar ver um filho levar um tiro para aprender a ser gente.

Para muitos, pessoas ingênuas. Porém, ingênuos que amam e participam. Que no seu interesse pela vida não conseguem ficar em casa filosofando sobre a dor ou assistindo ao faroeste pela televisão. Homens e mulheres que, em vez de empunharem armas, causarem o caos, se insurgirem contra as autoridades constituídas pelo Estado de Direito, preferiram deitar naquele calçadão na esperança de nunca mais precisar fazê-lo. Cidadãos brasileiros que revelaram seu interesse pela justiça e capacidade de protestar de modo inteligente e pacífico.

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz

domingo, 8 de abril de 2007

AQUELE QUE TRABALHA PARA O QUE NELE ESPERA

Na madrugada que saí com os irmãos da igreja para cravarmos as 700 cruzes nas areias de Copacabana, veio-me ao coração o glorioso texto do livro do profeta Isaías capítulo sessenta e quatro verso quatro: “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera". Neste domingo que tento contabilizar tudo o que aconteceu na praia de Copacabana na manhã do último sábado – 1000 pessoas que aceitaram nossa convocação para sair de casa, abrir mão de feriado e deitar no calçadão para clamar por justiça e paz. O número exato. Perfeita ordem. Nenhum incidente. Mulher grávida, crianças, idosos, moças, rapazes, ricos, pobres, crentes, não-crentes. Como tal pôde acontecer? Ao meu Deus, toda a glória, honra e louvor pelos séculos dos séculos, amém.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

APELO À IGREJA

Não há ser humano mais apto a conhecer as demandas em favor da justiça e o coração de Deus do aquele que anda com Cristo. Este tem o Espírito e conhece a sua Palavra. É de se esperar que nós cristãos sejamos sensíveis à voz daquele que chama os homens para emendarem seus caminhos, especialmente nas ocasiões em que uma sociedade inteira precisa se arrepender por estar sob a indignação Divina.
Deus está descontente com o Rio de Janeiro. Em menos de três meses mais de 1000 cidadãos cariocas tiveram sua vida quitada mediante homicídio. O sangue dessas pessoas está clamando. Tudo o que Cristo nos ensinou, nos leva a crer que Deus chama sua igreja para que se arrependa do seu silêncio e proclame dos eirados o que os profetas, apóstolos, reformadores e o próprio Cristo proclamariam se estivessem entre nós. Amigos e irmãos, 1000 assassinatos em menos de três meses é demais. Não consigo imaginar americanos, ingleses, franceses, entre outros, convivendo pacificamente com toda esta barbárie, tal como nós convivemos.
O Rio de Paz (nascido no coração de crentes cariocas) tem como proposta organizar eventos inteligentes e pacíficos que chamem a atenção da sociedade e das autoridades públicas para o desrespeito à santidade da vida no nosso Estado. Organizamos recentemente um evento que foi notícia no mundo inteiro – as 700 cruzes de Copacabana, pois até aquele dia este era o número de homicídios ocorridos no nosso Estado no ano de 2007. Agora, para não deixarmos passar em branco a morte de mais de 1000 seres humanos na nossa terra, estamos organizando para o próximo sábado (07/04) um outro ato público. Mais uma vez no nosso cartão-postal principal – a praia de Copacabana. Só que desta vez, faremos diferente – 1000 cariocas se deitarão no calçadão durante meia hora, a fim de ajudarem à população a compreender, como seria se todos os mortos desses primeiros meses de 2007 tivessem os seus corpos postos num mesmo lugar lado a lado. O que todos haverão de perceber é a quantidade absurda de gente que foi morta nos últimos dias.
Estamos contando com a ajuda das igrejas. Muitos perguntam: “Mas, uma coisa como essa surte algum efeito?” Creio firmemente que sim. Povos em várias partes do mundo agem dessa forma. Não temos alternativa. Fora o que estamos fazendo, restam-nos como opções – ficarmos em casa (o que não muda o quadro de terror), ou, então, pegarmos em armas (o que é contra as Escrituras que nos chamam para nos submetermos às leis e as autoridades constituídas por Deus). Entenda, contudo, que nem sempre a igreja faz o que faz por causa dos resultados práticos que irá colher. Muitas vezes a igreja age para cumprir o seu papel profético na história, mesmo que sua profecia não seja ouvida pelos homens. Em muitas ocasiões, o que ocorre, é a igreja “ficar livre do sangue deste justo” mediante a proclamação da verdade de Deus. Após declarar a verdade, “sair sacudindo o pó dos seus pés”. Nosso silêncio nos incrimina. Ficar calado numa situação como essa é tornar-se sujeito a ser julgado por Deus por omissão e conivência. Nenhum pragmatismo justifica a igreja deixar de oferecer sua garganta a Deus para que Sua verdade seja tornada pública. Alemães na Segunda Grande Guerra pecaram por terem se silenciado em face do surgimento do Nazismo. Milhares de judeus foram mortos. Campos de concentração se espalharam por todos os lados. Hoje, nossos campos de concentração são nossas ruas, vielas, morros, praças e esquinas, nos quais cidadãos cariocas estão sendo sentenciados à morte sem ter quem faça resistência a esses malvados que um dia serão inapelavelmente julgados por um Deus que é justo em todos os seus caminhos.
Por isso, eu peço a você que é irmão na fé: esteja conosco nesse sábado. A partir das 8 h da manhã estaremos reunidos no posto 6 de Copacabana. Venha vestido com uma camisa preta, traga seu protetor solar, uma garrafa de água e alguém da sua amizade que possa participar. Tenho certeza que esse protesto será notícia no Brasil e no mundo, e, muitos haverão de saber, que quem deitou naquele calçadão para profetizar e clamar por justiça, assim o fez, por conhecer a Cristo.

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz

segunda-feira, 2 de abril de 2007

JOHN LOCKE E A AUTORIDADE DO ESTADO PARA LEGISLAR E PUNIR

Nesses últimos dias tem se falado bastante sobre o problema da impunidade no Brasil. A sociedade brasileira tem clamado pela condenação dos culpados pelos crimes que, devido à prática regular, têm trazido insegurança profunda a milhares de seres humanos na nossa nação. Criminosos têm passado incólumes pelos atos bárbaros que praticaram. Por tudo isto, há um consenso em nosso país de que parte dos problemas que enfrentamos no campo da segurança pública relaciona-se à não aplicação da lei ou às falhas do Código Penal Brasileiro. Cidadãos brasileiros praticam o crime na certeza de que não serão punidos. No Brasil, o crime compensa.
Os dados da justiça confirmam o que milhares de cidadãos brasileiros sabem ser um fato – no Brasil, o crime é estimulado pela frouxidão na aplicação da lei por parte do Estado. Há 550 000 mandados de prisão expedidos pela justiça brasileira que ainda não foram cumpridos. Milhares de condenados escaparam da prisão. Feras terríveis soltas por aí. Perdoem-me por falar nestes termos, mas é um fato. Outros tantos praticaram os chamados crimes hediondos e, após o cumprimento de apenas uma parte da pena, foram soltos. O rapaz que recentemente matou o músico francês numa estrada do Rio de Janeiro havia sido condenado a oito anos de prisão por homicídio. Ou seja, ele já havia matado alguém. Após o cumprimento de um sexto da pena, foi solto, matou mais sete e por fim acabou com a vida de um jovem na frente da esposa e da filha da vítima.
Tenho dito que sou um teólogo que foi arrancado do mundo da teologia e da metafísica por causa dos problemas sociais graves que temos enfrentado, especialmente o problema da letalidade. Os números são absurdos sob qualquer ponto de vista. É bem verdade que foi minha própria teologia que me empurrou para estas questões. Quem conhece o evangelho não consegue conviver com a injustiça. Pois bem, por força do meu envolvimento recente com as questões sociais do Rio de Janeiro, decidi estudar um pouco sobre política. Li algumas obras clássicas sobre direito constitucional e penal e cheguei às minhas conclusões. Em conexão a isto, pensei que seria proveitoso para meus amigos pastores, irmãos na fé e o povo brasileiro em geral, se escrevesse numa linguagem fácil, sobre a luz que os clássicos projetam sobre a realidade político-social do Brasil. Meu desejo é o de ajudar as pessoas a conhecerem um pouco daquilo que ao longo dos séculos foi estudado, provado e aplicado na vida de nações inteiras.Por onde começar, após haver lido tanta coisa boa e aplicável à realidade brasileira, foi a questão inicial que tive que responder. Bom, decidi iniciar por apresentar o ponto de vista do inglês John Locke (1632-1704), autor de uma obra de referência de direito constitucional que representou um verdadeiro golpe no Estado absolutista - Dois Tratados sobre o Governo – estabelecendo de uma vez por todas a necessidade de vivermos em governos constitucionais nos quais os direitos naturais do homem sejam respeitados. Vamos, então, a algumas afirmações centrais do grande filósofo inglês sobre o tema – a autoridade do Estado para legislar e punir.
Locke traça com muita clareza o seu ponto de vista sobre a gênese do estabelecimento do Estado: “Apenas existirá sociedade política ali onde cada um de seus membros renunciou a esse poder natural (de punir e matar), colocando-o nas mãos do corpo político em todos os casos que não o impeçam de apelar à proteção da lei por ela estabelecida. E assim, tendo sido excluído o juízo particular de cada membro individual, a comunidade passa a ser o árbitro mediante regras fixas estabelecidas, imparciais e idênticas para todas as partes, e, por meio dos homens que derivam sua autoridade da comunidade para execução dessas regras...”. Não há como mensurar o valor dessa declaração. Como nos ajuda a entender o que significa viver dentro dos limites do Estado de Direito. O ponto de vista de Locke é que existe um estado natural, que vem a ser aquele em que nos encontrávamos antes de nos organizarmos socialmente. Nesse estado, gozávamos de direitos inalienáveis que o ser humano não pode permitir que lhe roubem jamais – tais como o direito à liberdade, à propriedade e à vida. Porém, com um grande inconveniente – estávamos sujeitos à lei do mais forte. Nesse mundo sem lei, os fracos haveriam de estar sempre sujeitos ao egoísmo e à maldade dos mais fortes, o que tornaria a vida insuportável. O que então ocorreu? Um homem olhou para outro homem e disse: “Viver assim é viver no inferno. Não há segurança num mundo como esse. Nossa vida não pode estar sujeita ao arbítrio de homens maus". Daí surge a decisão de organizar a sociedade a fim de que leis fossem estabelecidas e o poder de aplicá-las posto nas mãos daqueles que haveriam de punir os transgressores da vontade geral do povo conforme explicitada nas suas leis.
A conclusão a que Locke chega lança muita luz sobre a trágica realidade da segurança pública brasileira. Ele afirma que, sendo assim, é inimaginável que pessoas tenham se organizado em sociedade para viver uma vida pior do que a que viviam no Estado natural: “...isso significaria colocarem-se em situação pior que a do estado de natureza, no qual gozavam de liberdade para defender seu direito contra as injúrias causadas por terceiros e encontravam-se em termos iguais de força para sustentá-lo, fosse ele violado por um único homem ou por muitos conjuntamente. Ao passo que, supondo que se tenha oferecido ao poder absoluto e arbitrário e à vontade de um legislador, teriam desarmado a si mesmos e armado a este, para se tornarem sua presa quando bem lhe aprouvesse”. Ora, nós brasileiros estamos desarmados. Pagamos nossos impostos. Fazemos tudo isso para que o governo, e, somente ele, use legitimamente o direito de sentenciar e punir – isto a fim de que sejamos protegidos e vejamos aquilo que nos levou a nos organizarmos como sociedade ser cumprido – a saber, a defesa do Direito à vida. Hoje, desarmados, trabalhando um terço de nossas vidas para o Estado (esta é a minha experiência devido à minha faixa salarial), vemos pessoas armadas até os dentes, ceifando a vida de milhares, através das ações mais brutais. A solução, certamente, não está na sociedade pegar em armas – o que é trágico e representaria o horror de uma guerra civil. Mas, indubitavelmente, este tipo de percepção deveria nos conduzir ao protesto contra a ruptura do Contrato Social.O que caracteriza, sendo assim, a sociedade política? Locke responde: “aqueles que estão unidos em um corpo único e têm uma lei estabelecida comum e uma judicatura à qual apelar, com autoridade para decidir sobre as controvérsias entre eles e punir os infratores, estão em sociedade civil uns com os outros”. Veja que é da essência da sociedade punir. Aliás, esta é uma tônica dos clássicos sobre política: os malfeitores precisam ser punidos.
Impressiona-me a condescendência da cultura brasileira com o crime. Fala-se no amor pelo que não teve oportunidade na vida e por isso não teve alternativa senão matar. Mas, mata quem quer. Este é um pressuposto de qualquer tratado sobre direito penal – o homem é um ser racional e moral, daí o seu comportamento ser consciente e responsável. Retira-se isto e não temos o direito de denunciar algo como o racismo ou os casos de pedofilia, por exemplo. Não negaria jamais o conceito de responsabilidade diminuída e responsabilidade aumentada. A Bíblia mesma diz: “a quem muito foi dado muito lhe será cobrado”. Mas o conceito de responsabilidade diminuída ou aumentada não destrói o conceito de responsabilidade real.
Não basta ter lei, afirma Locke. Tem que haver uma base correta para sua promulgação. Ninguém deve se sujeitar a uma lei que não foi devidamente estabelecida. A palavra técnica chama-se competência. Não se trata de habilidade para legislar, mas autoridade legal, dada pela própria sociedade: “É absolutamente necessário à lei o consentimento da sociedade”. Mas, isto deve ser feito de tal maneira que os Direitos naturais do homem sejam respeitados – estes nunca devem ser abolidos pelo Estado: “As leis da natureza não cessam na sociedade”. Estas leis estão alicerçadas na pessoa de Deus: “As regras devem estar de acordo com a vontade de Deus”. É digna de nota esta ênfase de Locke no ser de Deus. Se não há Deus, tudo é permitido.
Um ser humano instruído quanto a estas questões haveria de amar as leis do Estado de Direito: "Considero... que o poder político é o direito de editar leis... com vistas a regular e a preservar a propriedade, e de empregar a força do Estado na execução de tais leis e na defesa da sociedade política contra os danos externos, observando tão-somente o bem público". Aqui esta a base de tudo. O propósito não é o de infernizar a vida das pessoas ou cercear arbitrariamente a liberdade humana, mas definir como norma aquilo que vai representar um ganho indispensável para a vida de cada cidadão: “A lei, em sua verdadeira concepção, não é tanto uma limitação quanto a direção de um agente livre e inteligente rumo a seu interesse adequado, e não prescreve além daquilo que é para o bem geral de todos quantos lhe são sujeitos. Se estes pudessem ser mais felizes sem ela, a lei desapareceria por si mesma como coisa inútil”. Esta é a conclusão a que as gerações passadas chegaram. A lei que cerceia nossa liberdade representa uma aparente perda que proporciona um ganho incalculável na medida em que garante ao homem um caminho seguro para a vida em sociedade. “O fim da lei não é abolir ou restringir, mas conservar e ampliar a liberdade... onde não há lei, não há liberdade. A liberdade consiste em estar livre de restrições e de violência por parte de outros, o que não pode existir onde não existe lei”. Sendo o homem o lobo do homem, conforme disse Hobbes, sem as leis, pessoas de bem estariam à mercê do mais forte sempre. É interessante observar que tudo seria diferente se o homem fosse bom. Peço perdão pelo truísmo – mas parece que nos esquecemos de que, muito embora as leis não devam oprimir o homem porque ele é precioso aos olhos de Deus, elas devem existir na forma mais apta possível para dissuadir o transgressor da prática do crime, porque o homem tal como se tornou é um fracasso no campo do amor.
Todo homem deveria estar cônscio do porquê da punição ser aplicada à sua vida caso venha a transgredir: “Tudo quanto é igual deve ter a mesma medida: se não posso senão desejar receber o bem, tanto de todos os homens quanto qualquer um possa desejar para sua própria alma, como poderia eu procurar ter qualquer parte de meu desejo assim satisfeita, a menos que eu mesmo tivesse o cuidado de satisfazer o mesmo desejo, que está sem dúvida em outros homens, sendo todos de uma única e mesma natureza? ... se pratico o mal, devo esperar sofrer, por não haver razão alguma para que outros demonstrem por mim maior medida de amor do que recebem de mim...”. A sociedade deveria se levantar contra esse homem: “... e uma injúria causada a um membro de seu corpo empenha o todo na sua reparação...”. Se a falta é cometida por um governante: “Cabe ao povo um poder supremo para remover ou alterar o legislativo quando julgar que este age contrariamente à confiança nele depositada”. Aqui não há desamor. Não se trata de um espírito justiceiro. Mas trata-se, isto sim, de uma expressão de amor pela vida do inocente.
Um outro problema que temos enfrentado no Brasil foi tratado por Locke também: “Às vezes o legislativo precisa agir com rapidez, às vezes lentamente”. A sociedade não deveria evitar agir: “... quando a ocasião ou as exigências do público demandarem o aperfeiçoamento das velhas leis, a elaboração de novas ou a reparação ou prevenção de quaisquer inconvenientes que pesem ou ameacem pesar sobre o povo”. Não há dúvida de que em nome da prudência tornamos o problema do crime uma patologia social crônica na sociedade brasileira. Muitos, por não quererem levar a fama de impiedosos, ou ansiosos por serem conhecidos como os campeões dos direitos humanos, não tomam as decisões que precisam ser tomadas para que haja ordem no nosso país.
O poder que é usado sem a autoridade delegada pelo Estado deve ser combatido: “Em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio para a força sem autoridade é opor-lhe a força". Vejam quanta luz é lançada sobre o problema do Estado paralelo que mata e sentencia à revelia do Estado de Direito. Nós nunca deveríamos tolerar uma coisa como essa! É o colapso do pacto social. A falência do acordo inicial que fizemos para vivermos juntos. Por isso, Locke afirma: “O uso da força sem autoridade põe sempre aquele que a emprega em estado de guerra, como agressor, e sujeita-o a ser tratado nos mesmos termos”.Todos devem ter consciência da lei: “Ninguém pode ser submetido a uma lei que não lhe seja promulgada”. Não tenho dúvidas de que se endurecêssemos as leis, as aplicássemos com ligeireza e as tornássemos conhecidas de todos através de muita propaganda, milhares pensariam dez vezes antes de praticar o mal. Na sua contabilidade egoísta, eles chegariam à conclusão de que o risco é grande e não vale a pena enfrentá-lo.
A sociedade jamais deve perder de vista o fato de que a lei não é um fim em si mesma. Seu propósito é o de fazer o homem feliz. Por isto, Locke ressalta perigosamente: “Esse poder de agir conforme a discrição em prol do bem público, sem a prescrição da lei e por vezes até contra ela, é o que se chama prerrogativa”. Isto não é uma usurpação: "São usurpações apenas os atos que prejudiquem ou obstruam o bem público. Por isso: “A prerrogativa não é senão o poder de fazer o bem público independentemente de regras”.
A que conclusão chegamos? Se verdades auto-evidentes como estas que acabei de mencionar, extraídas da pena do grande filósofo inglês, ditas há 400 anos aproximadamente, fossem aplicadas na vida do Estado brasileiro, a barbárie não teria criado raízes na nossa pátria. Que façamos um resgate de todas essas verdades elementares. Que chamemos a atenção das autoridades públicas para elas. Nações, no passado, inspiradas por esse tipo de literatura, saíram em busca de uma vida melhor – e a encontraram. Não falo de uma vida perfeita. Essas nações têm os seus problemas. A natureza humana não nos permite esperar o utópico – mas, pelo menos, elas não vivem com o medo com que os brasileiros vivem. Nessas nações, foi encontrada uma forma de governar na qual o valor incalculável do ser humano é respeitado.

Antônio Carlos Costa
Presidente do Rio de Paz