segunda-feira, 23 de julho de 2007

UM FINAL DE SEMANA DE CORAÇÃO APERTADO


Todo domingo eu prego na minha igreja. Ontem não foi diferente. O texto da minha mensagem foi o da epístola de Paulo aos filipenses, capítulo 4 versos 11 e 12. Procurei dar ênfase a seguinte declaração: "... porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação". Mas, como costuma acontecer, subi ao púlpito para pregar para a igreja e para mim mesmo.

Eu já vinha de uma semana difícil. Procurando me recuperar do cansaço das atividades do primeiro semestre (o que ainda não consegui) e procurando administrar no meu coração a dor que todos nós brasileiros experimentamos na semana passada, quando um avião da TAM explodiu ceifando aproximadamente 200 vidas humanas. A imaginação vai... e, tal como você, fiquei pensando em todo o horror vivido pelos que ficaram e pelos que se foram. Dois relatos impressionaram a milhares: a posição de alguns dos corpos carbonizados, mostrando as pessoas com as mãos estendidas como se estivessem a se proteger do perigo iminente, e, outras como se estivessem a orar. A cena que não deveria ter sido gravada, das pessoas perante um rádio ouvindo a leitura dos nomes dos parentes mortos, marcou-nos também profundamente.

A falta de direção da nação, a ausência de linhas de responsabilidade bem definidas, a carência de uma ação preventiva, o silêncio das nossas autoridades, a forma passional de se lidar com os problemas - ou seja, a manifestação de todos os males da cultura brasileira na tragédia, a revelação do ser brasileiro, fizeram parte desta tristeza de alma experimentada por tantos amigos e irmãos, e, também por mim.

E, em meio a tudo isto, vivi a perda infinitamente menos dolorosa, mas real e sofrida para mim, de um dos meu cachorros. Morreu o meu labrador. Seu nome era Luther. Ele chegou à nossa casa quando tinha quatro meses. Era de cor caramelada, dócil, manso, obediente, e o melhor amigo do Muffet, nosso outro labrador (eu posso te garantir que esta raça é convertida)que agora vai ter que aprender a viver sem o seu melhor amigo. O Luther morreu com dignidade. Submeteu-se calmamente a todo o tratamento que fizemos, como por exemplo, a aplicação de soro que tivemos que fazer quase que a tarde inteira de sábado. E, ontem, quando acordei pensando em preparar o coração para o culto e pregação, fui ao canil e o encontrei inicialmente num canto imóvel, porém respirando. Eu o chamei e ele não respondeu. Após ter ido à cozinha, ao voltar para vê-lo, o encontrei morto. O pobrezinho não deu nenhum trabalho. Não gemeu, não latiu, tratando de ficar no seu cantinho como que se preparando para a morte. Fica aqui meu muito obrigado ao Lobão, irmão na fé e veterinário, que fez tudo o que estava ao seu alcance para salvar a vida do Luther, e, minha gratidão a Deus, que no seu amor sem fim, deu-nos estes animais encantadores, tão reveladores da verdade bíblica que diz que todas as coisas foram feitas por amor a nós seres humanos.

Qual a relação de tudo o que acabei de relatar e o versículo acima que serviu de base para o meu sermão? Creio firmemente que é possível viver com contentamento. É possível não vivermos sob a tirania do momento, ou o poder das circunstâncias. Falando de uma forma positiva, é possível viver acima das circunstâncias, não sem derramar lágrimas, não sem se surpreender com a insânia dos homens, não sem ter que saber lidar com a perda de um animal num contexto em que pessoas estão chorando pela morte dos seus próprios filhos, mas não permitindo que o lado escuro da vida nos impeça de ver as expressões da bondade divina, não admitindo que o caráter se torne pior por causa da dor e não aceitando que o coração se afaste de Deus por causa do caráter imperscrutável dos seus planos eternos.

Eu sei algumas coisas: Deus é soberano, a porção impessoal do universo tem que dizer amém para a porção pessoal do universo. Todas as galáxias, todos os asteróides, todos os cometas, todos os sóis, todas as estrelas, todas a moléculas, todos os átomos estão submissos àquele que faz todas as coisas de acordo com o propósito da sua vontade.

Aguardo na ponta dos pés a chegada da parousia, da vinda do Senhor Jesus, da criação de novos céus e nova terra. Esta presente ordem vai passar. A santidade de Deus exige que este mundo tal como o é não permaneça para sempre.

E, acima de tudo, Cristo morreu por mim. O amado do Pai foi imolado no calvário. O amado. Tudo o que foi feito contra a vida de Cristo foi feito contra a vida do amado do Pai. Ele não morreu por causa da inveja da liderança religiosa judaica do seu tempo, nem pelo ódio das autoridades romanas, mas por causa do amor do Pai. Ele foi entregue por Deus. O Pai não lhe retirou o cálice do juízo. E, ele amorosamete sorveu até a última gota deste cálice de tormento indizível.

Por isto eu digo: "Inferno e todos os demônios, não tentem extrair de mim resposta para o que não posso entender. Vocês cobram de nós crentes explicações para a morte dos homens e até mesmo de animais. Contudo, há um outro absurdo para o qual não há explicação - a morte do amado Senhor Jesus. Na cruz ele não apenas justifica o pecador, mas justifica a si mesmo num mundo sofredor. O Filho de Deus se fez filho dos homens para que os filhos dos homens se fizessem filhos de Deus. É isto que nos espanta e nos faz crer que por trás de uma providência aparentemente cruel há um coração que sangra de amor por nós - o coração daquele que nos criou, e que por ser quem ele é, nós faz ansiar por um mundo onde haja justiça. Não são as suas tentações que nos fazem angustiar quando vemos o mal prevalecer no mundo, mas a imagem e semelhança de Deus que carregamos. É por causa dele, da sua existência e nossa criação à sua imagem e semelhança que até mesmo, pelo menos em um ponto, estas tentações infernais nos fazem parar para pensar (muito embora elas aprofundem nossa fé, tornem nossas declarações teológicas mais precisas e nos aproximem mais de Deus), porque vocês não tentam pedras, troncos, nem animais irracionais, mas aqueles que foram criados por um ser justo,e, que por isto, têm também senso de justiça".

3 comentários:

  1. Reverendo.... sensacional observação. É interressante perceber como conhecer muito teologia, não faz do Senhor alguém distante da realidade prática.

    Digo isso porque tenho lido alguns artigos de irmãos reformados e puritanos e as vezes percebo uma grande distância nas aplicações destas verdades.

    Seus sermões que tenho ouvido e estudos, me fazem lembrar um amado professor do SPN (Jorge Issao Noda), que como poucos nos edificava e me fazia chorar em sala de aula com a vida que ele transmitia (e transmite, não mais no SPN).

    Gostaria de saber se posso colocar um link no blog divulgando o seu blog.

    Deus o abençoe... ótima semana!!!

    ...........

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  2. Querido Diego, infelizmente o melhor sistema teológico que existe, o calvinista, muitas vezes é professado por homens que amam mais teologia do que a Deus, têm mais prazer em conhecer a história da teologia do que aplicar a teologia à história. Sinta-se livre para usar o blog e linká-lo ao seu.
    No amor do Pai,
    Antonio C. Costa

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  3. Obrigado pela permissão!!!

    Um grande abraço!!!

    Diego Ramon Queiroz!
    .

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