quarta-feira, 11 de julho de 2007

NÃO HÁ NADA DE NOVO NA ECLESIOLOGIA CATÓLICA


Não vejo porque ficarmos surpresos com o ponto de vista do Papa Bento XVI, expresso esta semana, acerca da doutrina da igreja (eclesiologia). O Vaticano nunca demonstrou sinal de que é possível Cristo ter uma igreja fora desta estrutura hierárquica que tem um Papa infalível no topo. Dentro da tradição católica, portanto, para um ser humano ter garantia de salvação é necessário que ele faça parte deste sistema de governo eclesiástico.

Este conceito de salvação, confinado a uma estrutura episcopal-monárquica sediada em Roma, trata-se de uma doutrina que não tem o suporte de nenhuma passagem das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Onde quer que haja a correta pregação da Palavra de Deus, a ministração dos sacramentos e o exercício da disciplina eclesiástica, aí temos uma igreja. A Bíblia fala muito sobre como uma igreja deve funcionar. Mas, não há um só texto que apresente um governo universal, baseado na infalibilidade de concílios e de um mortal. A história nega tanto esta infalibilidade quanto a impossibilidade de haver igreja fora desta linha de submissão ao Vaticano. Os Papas e os concílios erraram inúmeras vezes. Foi esta igreja que sustentou a tese de que a terra é o centro do universo, e, que por isso foi levada a condenar Galileu Galilei, que com o seu telescópio podia se certificar com a razão mediante a utilização do sentido da visão, de uma realidade irrefutável que a tradição tentava negar.

Como podemos negar a realidade da presença de Cristo entre os protestantes? Quer dizer que Lutero, Calvino, Bach, Rembrandt, Jonathan Edwards, William Wilberforce e Martin Luther King, entre tantos outros, não faziam parte da igreja de Cristo? O que falar deste impulso para a produção de obras de arte, as mais encantadoras, através de homens como alguns dos supracitados; a libertação de sistemas absolutistas, com o trabalho do filho de puritanos, o protestante John Locke; a promoção do saber, levada a cabo pelos calvinistas americanos, que entre outras coisas, fundaram as universidades de Yale, Princeton e Harvard; a criação de uma mentalidade que culminou no surgimento de toda uma forma de trabalhar geradora de riquezas e avanços em todos os campos do saber? Como posso ouvir uma declaração como esta, eu, que um dia num templo protestante conheci um Cristo absolutamente amável que hoje é o meu maior amor? O que falar dos meus amigos, os melhores que conheço, que fazem parte das chamadas igrejas evangélicas? Com todos os seus problemas, foi esta igreja que me levou a Cristo e na qual conheci as pessoas de caráter mais belo que conheço.

Jamais chegaria ao ponto de dizer que não há verdadeiros cristãos no catolicismo. Os reformadores nunca assumiram este ponto de vista. Eu tenho sido muito enriquecido através das obras dos católicos Etienne Gilson, Jean Guiton, Frederick Copleston, entre outros. Só não posso dizer amém para o seu sistema doutrinário e sistema de governo. Sou protestante até a medula. Minha consciência não está mais nas mãos de um homem. Não preciso mais me confessar a um pecador para obter o perdão para os meus pecados. Não careço mais de tentar ganhar o amor de Deus, mediante a prática daquilo que Deus nunca pediu de mim (em que texto do Novo Testamento vemos endosso para algo como o sírio de nazaré ou as peregrinações a lugares sagrados?), para me livrar do purgatório ou do inferno. Cristo já me purgou de todos os pecados. Ele levou sobre o madeiro toda a loucura da minha vida. Eu não tenho o que acrescentar a este sacrifício de valor infinito. Foi o sangue do Filho de Deus que foi derramado. O que é necessário mais para que eu possa conviver melhor com a minha consciência? Hoje posso dizer para parentes e amigos: "seu eu morrer antes de vocês, não orem por mim, nem façam ofertas para que eu saia de um lugar de tormento. Sou filho de Deus por um ato de pura graça e amor. Não há mérito em mim. Não sou digno desta salvação, eu sei. Todos os dias sou humilhado pelas minhas fraquezas. Mas, conheci o Cordeiro, sem defeito e sem mácula. Ele fez uma oferta perfeita e definitiva pelas minhas transgressões. Estou livre. Se um dia eu tiver que passar pelas agonias da morte, se a providência permitir que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, pois o que ele disse para o ladrão arrependido, ele vai dizer para mim: 'hoje mesmo estarás comigo no paraíso". Adeus medo. Adeus terrores de consciência. Eu creio mais na misericórdia daquele que me salvou como um tição tirado do fogo do que na minha inocência.

Apesar de tudo o que acabei de expressar, não vejo necessidade de reeditarmos os conflitos religiosos do passado que, tanto nos cansaram e causaram a perda de tantas vidas. Não vejo motivo para deixarmos de trabalhar juntos com os católicos nas ocasiões em que virmos nossas agendas tangenciarem. Temos muito ponto em comum, especialmente na área da defesa dos direitos humanos. Sou pluralista. Embora creia em verdades absolutas e anseie viver num mundo de cristãos calvinistas, penso que não temos alternativa, devido as nossas diferenças, senão vivermos em sociedades onde todos tenham o direito de professar livremente suas convicções religiosas.

Creio que há um lado positivo nisto tudo. Muito sangue protestante foi derramado no passado pela defesa das doutrinas da graça. Verdades que anunciam a existência de um Deus bom e que é capaz de declarar o pecador justo, mediante a fé em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo somente. Quem sabe, a partir de agora, vamos procurar expressar nosso amor pelos amigos católicos de uma outra forma? Não negando a verdade em nome da unidade e do amor, mas não permitindo que ela nos impeça de tratar com respeito membros de uma igreja que ainda não abraçou a reforma do século XVI. O que pode vir a ocorrer. Especialmente, se nós protestantes reconhecermos as inconsistências do nosso testemunho e humildemente nos aproximarmos para o diálogo em amor. Oh! que glória se um dia isto acontecer. Os anjos dariam glória a Deus e o mundo seria iluminado.

2 comentários:

  1. Com efeito!!

    Cresci numa família católica.
    Fui batizada, me confessei, fiz 1ª comunhão, crisma e casei.

    Em todos esses anos, eu nunca entendi direito a doutrina... o porquê de tanto senta e levanta durante a missa, o porquê da comunhão com Deus ser representada pela hóstia, o porquê de se confessar, o porquê de padres não poderem constituir família, entre vários outros.

    Confesso que acho enfadonho todo o ritual e (Deus que me perdoe) um tanto lúgrebe a aparência interna das igrejas.

    Quando passei a estudar história, percebi que muitos dos males da humanidade tiveram um berço no catolicismo e até hoje me mordo de indignação em saber que um homem (passível de todos erros e pecados) vive cercado de tanto luxo e conhecimento com tantas pessoas morrendo de fome no mundo. Tudo isso é deveras contraditório com a vida que Jesus teve na Terra.

    Nem vou entrar no mérito dos casos de pedofilia e outros do gênero... Situação impensável e hipócrita!!!

    Diante de tudo isso, hoje considero minha religião a cristã... sem denominações.
    Acredito que todas levam a um só caminho, todas têm um lado bonito a ser apreciado.

    Gosto de conversar sobre religião, por isso, vou ler sobre calvinismo (que não sei do que se trata) para poder entender melhor partes do seu texto.

    Um grande abraço,

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  2. Querida Lilith,
    que você procure conhecer o que é o calvinismo. Creio que ele representa o estágio intelectual mais alto da história do cristianismo. Mas, que sobretudo você procure encontrar Cristo. Religião é um perigo. Podemos estar mergulhados nas suas instituições sem havermos passado por uma real experiência de transformação. As palavras mais duras que Cristo proferiu foram dirigidas a pessoas religiosas.

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