quarta-feira, 9 de maio de 2007

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (III)

Após haver estabelecido a base intelectual do estabelecimento das leis, Beccaria passa para a questão relativa à origem das penas. Isto porque precisamos de leis e dos instrumentos necessários para sua eficácia. Sem as armas (o poder que pune e exerce temor nos cidadãos) e sem as penalidades (que estabelece o preço que vai ser pago por aquele que fez o que é incompatível com a vida em sociedade) a lei é inócua. Fazendo eco a Locke e Rousseau, Beccaria afirma: “As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação”. A análise é perfeita. Estamos unidos sob a égide do Estado (que no nosso caso já estava aí quando nascemos, mas que é construção humana). Mas, como é que ele nasceu? Ele nasce da percepção que precisamos uns dos outros. A raça humana unida é mais forte. O Estado surge como conseqüência natural de algo que é intrínseco a nós: somos seres gregários. Nascemos para a vida em sociedade – “o homem é um animal político”. Há um lado negativo, contudo, nessa organização do Estado. Nós o organizamos a fim de sairmos do inconveniente de uma vida onde prevaleça a lei do mais forte. Sem um Estado de direito o mais fraco será sempre espoliado dos seus bens pelo que é mais poderoso. É a lei da selva. Por isso o cristianismo vê com o horror a anarquia – “O Estado é ministro de Deus para o nosso bem”. O raciocínio é claro: nós criamos o Estado para vivermos uma vida melhor do que a que viveríamos caso ele não existisse com suas lei, sanções e poder de coerção.

Em conexão a tudo isto Beccaria levanta uma pergunta fundamental: De que se constitui a autoridade política de uma nação? Resposta clássica, já formulada por autores que o antecederam: “A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário administrador”. É isto o que o povo brasileiro precisa compreender. Nós abrimos mão da nossa liberdade (a liberdade que teríamos no estado natural. É como se os portugueses ao chegarem ao Brasil dissessem : “agora é cada um por si e Deus por todos”). Não usamos do direito de defender nossa vida portando armas, sentenciando e matando. Conferimos este poder e direito ao Estado. O que é inimaginável é que despojados deste direito, visando uma coexistência melhor através da organização do Estado de Direito, vivamos uma vida pior do que a que estaríamos vivendo no Estado Natural. Observe que é exatamente isto o que acontece quanto à segurança pública no Brasil. Uma sociedade que se desarmou e que colocou sua segurança pessoal nas mãos do Estado, e , que no entanto, esta à mercê de marginais que matam impunemente. Esse Estado estrutura-se em torno de três poderes (legislativo, executivo e judiciário) e esses mesmos poderes criados para tornar a vida em sociedade viável, entregam-se à uma corrupção escandalosa associada a um ambiente de impunidade vergonhoso. Indo para um outro pólo relacionado aos problemas atuais que enfrentamos: a convivência pacífica com qualquer poder paralelo, por mais que aparentemente ele esteja ocupando o vácuo deixado pelo poder público, é a morte do Estado. Carecemos de tratar deste mal gravíssimo mediante os canais democráticos no nosso país.
O desafio da hora presente no Brasil corresponde a duas necessidades sociais: entendermos que sem o poder do Estado é o inferno. Contudo, no Brasil o Estado não funciona como deveria funcionar. De uma certa forma nossa vida é pior do que a que teríamos sem o Estado. Mas, como é patente que carecemos dele, como ir contra ele é ir contra a vontade de Deus, não nos resta alternativa, senão lutarmos para que ele cumpra sua função na história.

Um povo tão condescendente como o nosso (não sou contra o espírito de perdão, tão essencial para a restauração da vida daquele que errou e se arrependeu) precisa saber que as penas são essenciais e que precisam ser aplicadas de modo implacável. Não podemos tolerar que um carro venha a ter seu pneu explodido por buraco de uma estrada, deixando seqüelas no motorista, e, ninguém ser punido por isto. Não pode um cão da raça pitbull destroçar a face de uma menina e o seu dono não sofrer sanção legal alguma. E muito menos ver aquele que recebeu a confiança do povo mediante o voto a fim de cuidar dos interesses da população, usar deste mesmo poder para fraudar, desviar verba de hospital e escola, e passar incólume pela lei.

As leis têm um caráter coercitivo. O Estado, de uma certa forma, não deve conhecer a palavra graça. Se o Estado ministrar graça a vida em sociedade sucumbirá mediante os abusos daqueles que somente são freados pelo medo da punição. Qual o objetivo das penas? Beccaria responde: “As penas têm como objetivo dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos”. Elas são essenciais? “Nem a eloqüência, nem a declamação, nem mesmo as mais sublimes verdades bastaram para refrear por longo tempo as paixões suscitadas pelo vivo impacto dos objetos presentes”. A linguagem que homens maus reconhecem (gostaria de não ter que dizer isso) é a linguagem do medo infligido pela lei. Sem isto é o caos.

Um comentário:

  1. É preciso formularmos leis que venham a ter mais coerência, e aplicá-las com responsabilidade e compromisso.
    Que Deus abençoe aqueles que têm se empenhado na mobilização do povo brasileiro para questões como essas.

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