segunda-feira, 28 de maio de 2007

BECCARIA, CAMPINAS E BRASÍLIA

Acabei de escrever três pequenos textos sobre o jurista italiano Cesare Beccaria. Minha idéia é traduzir numa linguagem simples o que os clássicos sobre política e direito ensinam. Tudo é muito amador. É o trabalho de alguem que procura ser um amante da verdade e da justiça e que ousa escrever sobre uma área diferente da que se preparou academicamente.

Amanhã estarei em Campinas gravando um programa de televisão. No final da tarde partirei para Brasília. Ao chegar, irei direto para a Esplanda dos Ministérios, onde estaremos preparando o ato público da quarta-feira (30). Quanta expectativa de ver algo ser desencadeado a partir do nosso protesto. Serão 15 000 mil lenços brancos pendurados num enorme varal, simbolizando os mortos por assassinato no Brasil no ano de 2007. Quanto lágrima sendo derramada na nossa nação!

Peço que você ore por mim, para que no abrir da minha boca fluam palavras de verdade, justiça e sabedoria.

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (VIII)


A fim de que uma dada sociedade experimente uma queda significativa nos delitos praticados, é fundamental que a aplicação da pena seja certa. Para tal, é mister que além de uma aplicação infalível da pena, haja um judiciário que inspire temor. Afirma Beccaria: “um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade das penas, mas sua infalibilidade e, em conseqüência, a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável”. Paradoxalmente, a frouxidão na aplicação da pena torna a situação do ser humano (digo o mais suscetível à prática do crime, em quem muitas vezes se pensa na hora de se evitar a criação de uma legislação mais dura) pior ainda, pois este é levado a praticar o que o condenará pela ausência do freio da lei, tão essencial para a obstrução da expressão das paixões humanas. Nada é mais salutar do ponto de vista da lei e do processo penal, segundo o jurista italiano, para a prevenção do crime do que a certeza da punição: “A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade”. Mas, não pense que Beccaria era favorável ao estabelecimento de leis que não sejam suficientemente duras a ponto de desencorajar o homem de praticar o crime: “Para que uma pena produza seu efeito, basta que o mal que ela mesma inflige exceda o bem que nasce do delito...’

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (VII)


Uma das declarações mais simples de Beccaria é justamente a que apresenta um ponto de partida indispensável para o estabelecimento das leis: “as leis para serem justas precisam ser necessárias”. A proposição envolve duas verdades básicas: a primeira, é que devemos ter leis claramente estabelecidas que tenham como meta trazer justiça para o que é necessário. Mas, em segundo lugar, o Estado deve dar o máximo de liberdade possível aos seus cidadãos de uma tal maneira que não vejamos pessoas sendo trazidas às barras dos tribunais por tolices. Um Estado burocrático, capaz de criar dificuldades para vender facilidades (perdoa-me o lugar comum), é o maior mal que pode existir. Pessoas sentem-se asfixiadas por leis que não cumprem finalidade social alguma. Fora o fato das leis se tornarem tão obsoletas, fora de costume, culturalmente desobedecidas (e isto pode acontecer por motivos justos) que acaba o Estado criando uma sociedade de pessoas que não têm liberdade de denunciar o erro por estarem de uma certa forma agindo fora da lei também. No caso dos cidadãos de bem, os expõe à dramas de consciência, e, em alguns casos, os torna alvos de táticas de intimidação por parte daqueles que cometem os delitos mais graves. Este é o retrato do Brasil. Um país onde sabe-se quem rouba, mas não se faz a denúncia porque quase todos transgridem a lei num ponto ou em outro. Obviamente, nem todos o deixam de fazer pelo fato de se verem na ilegalidade do que é injusto, mas por serem sem tamanho sua ambição e conseqüente disposição de trangredir as normas do país.

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (VI)


O que fazer para que as penas sejam mais eficazes? Beccaria julga que “quanto mais a pena for rápida e próxima do delito, tanto mais justa e útil ela será”. Não resta dúvida que nosso código penal jamais seria aprovado pelo jurista italiano. No Brasil, advogados hábeis conseguem adiar a aplicação da pena através da utilização de recursos e mais recursos até o crime prescrever. Isto precisa ser revisto. O que passa pela cabeça do brasileiro que vê centenas de políticos, empreiteiros, juristas, entre tantos outros envolvidos em escândalos de corrupção, sem serem imediata e exemplarmente punidos?

Longe de mim defender um processo cuja rapidez milite contra a apuração justa dos fatos a fim de que a condenação ocorra em bases sólidas. Mas, não podemos permitir que a distância entre o delito praticado e sua justa punição trabalhe contra o caráter dissuasório das penas. Afirma Beccaria: “... presteza da pena é mais útil porque, quanto mais curto o tempo que decorre entre o delito e a pena, tanto mais estreita e durável nos espírito humano é a associação dessas duas idéias, delito e pena... quanto mais os homens se afastam das idéias gerais e dos princípios universais, isto é, quanto mais eles são incultos, tanto mais agem em função das associações imediatas e mais próximas, descuidando das mais remotas e complicadas... atenua-se no espectador o horror de um delito em particular, que serviria para reforçar o sentimento de pena”.

sábado, 26 de maio de 2007

Acabei de chegar

Acabei de retornar da minha viagem ao Ceará. Infelizmente, não estou podendo escrever muito, pois já é tarde e tenho que escrever o sermão de amanhã.

Minha mãe continua internada aguardando a liberação para a colocação de um aparelho de marca-passo. Sinto a minha saúde melhor, apesar de uma gripe que me parece incipiente.

Pude ler hoje no vôo de volta mais alguns trechos do livro do Jonathan Edwards sobre o qual falei. Ele associa de tal modo a glória de Deus e a felicidade humana que, somos levados a prorromper de louvor pela existência de um Deus que estabelece como fim supremo de todas as coisas a sua glória, mas que cria o homem de uma tal maneira que, o conhecimento dessa glória é a sua maior felicidade. Tudo o que existe, portanto, tem como objetivo revelar as perfeições de Deus e fazer o homem feliz.

O meu texto do sermão de amanhã encontra-se na carta aos filipenses capítulo três versículo cinco: "Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor".

Na última postagem, na minha pressa de escrever, deixei passar alguns erros de português. Não é falta de zelo, muito menos desrespeito, é a correria mesmo. Espero ser mais cuidadoso.

Um bom dia do Senhor para todos!

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Dor e Espanto


Um dos meus grandes prazeres nesse ano de 2007 tem sido escrever para o blog. O número de visitantes, oriundos de vários continentes, como também de leitores assíduos que freqüentemente retornam ao blog, alegram o meu coração. Contudo, nesses últimos dias não consegui atualizar as mensagens, especilamente o término dos textos sobre o jurista italiano Cesare Beccaria.

Os motivos para esta dificuldade de enviar novas mensagens têm a ver com o momento de vida que estou passando. Estou com minha mãe hospitalizada há catorze dias, sendo que pelo menos três deles no CTI do Centrocárdio de Niterói. Não tem sido fácil. Meu amor por ela é por demais especial. Tenho orado ao meu Deus para que na sua infinita misericórdia me dê mais alguns anos ao seu lado para que eu possa retribuir o imenso amor que ela sempre manifestou pela minha vida.

Na semana passada caí de cama. Encontrei-me na minha crise anual de sinusite, associada desta vez à algum problema estomacal ou intestinal que me roubaram as forças. Que dificuldade lidar com a quase impossibilidade de trabalhar por falta de força ou algum desconforto físico. Em meio a tudo isto, tive que fazer uma viagem para a cidade de Anápolis no Estado de Goiás a fim de pregar o evangelho no aniversário de uma igreja.

Neste momento encontro-me de malas prontas a fim de me dirigir para o Ceará de onde retornarei no sábado. Prego duas vezes no domingo na minha igreja, já com uma possível reunião do conselho da igreja agendada. Na terça vou para Campinas a fim de gravar um programa de televisão. No mesmo dia parto para Brasília. Ali, realizaremos mais um protesto. O maior de todos. Agora, não mais contando apenas o número de assassinatos do Rio de Janeiro, mas do Brasil todo. Este evento tem ocupado grande parte da minha energia mental e emocional. Tratar de cada detalhe. Sair em busca de dados sobre a violência no nosso país num contexto onde não há interesse em se divulgar os fatos. Fora, o anelo de no abrir da minha boca falar o que um profeta do tempos bíblicos falaria se estivesse no meu lugar

Minha perplexidade é constante com a raça humana. Hoje vi no New York Times as fotos dos soldados americanos feridos na guerra do Iraque. Os escândalos recentos no nosso país me chocam. Como esses homens podem conviver sem crise com sua consciência, sabendo que milhares de brasileiros para ganhar honestamente o que aqueles ganham numa negociata, teriam que viver 100 vidas? E a ponte do nada para o lugar nenhum que fotografaram no Maranhão? Hoje vi as fotos de alguns dos nossos políticos numa revista. Velhos, perto da morte, sem se aperceberem do seu fim. O jornal da Globo dessa noite critica severamente os baderneiros que fizeram a pior forma de protesto que existe - aquela que não vem acompanhada do respeito à lei e que traz prejuízo à maioria da população. Temo que esta coisa se alastre se não agirmos logo. Temo algo fascista, maligno, anárquico que surja no cenário nacional como resposta impensada aos escândalos de corrupção de nosso país nesse cenário de impunidade chocante.

Apesar de tudo, estou feliz com o meu Deus. Nunca o cristianismo me fascinou tanto. Estou terminando de ler mais um livro do Jonathan Edwards que usarei na minha tese de doutorado: "The End for wich God Created the World". Que obra prima! Que Deus é revelado nessa obra! Um Deus perfeito em todos os seus atributos que, criou todos as coisas para a glória do seu nome, pelo simples fato de não haver na vida nenhum alvo mais excelso do que esse. O nosso Deus se deleita nas suas perfeições. Sendo assim, de igual modo ele se deleita em tudo o que revela suas excelências, porque ele se deleita em si mesmo nelas. Para o homem isto seria narcisismo, mas não para Deus. Ele é amável, por isso feliz, pois é tudo o que gostaria de ser. Acima de tudo ele é amável (digno de ser cultuado por nós) porque é "santo, santo, santo". Nele o poder infinito e a autoridade soberana estão atrelados ao amor e a doçura de coração. Ele é justo, benigno, perdoador, leal - "de maneira nenhuma Ele pode negar-se a si mesmo". A Ele a glória e o louvor pelos séculos dos séculos.

Como diz Jonathan Edwards, após a leitura de I Timóteo 1:17: "Quão excelente é esse Deus e, como eu seria feliz se fosse absorvido por ele e vivesse para amá-lo". Bom, como você pode ver, é a contemplação da majestade de Deus que, acima de tudo, nos consola nas lutas. Bendito o dia que conheci o Senhor Jesus.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (V)


Muitos fazem nos dias de hoje críticas severas a certos movimentos de defesa dos direitos humanos por julgá-los a favor do criminoso e contra a vítima. Contudo, não podemos nos esquecer do fato de que a história pregressa do Brasil e o seu momento atual estão eivados de ambos os males: a frouxidão da lei com respeito aos crimes que são praticados em larga escala, mas não apenas isto, o desrespeito por parte das autoridades à dignidade humana, em especial, a do preso. No Brasil, nossos presos são estuprados, têm que dormir em celas imundas, num calor insuportável e expostos a tantas outras violências mais que, acabam tornando-os piores do que eram.

Beccaria destaca verdades que precisamos levar em consideração quando pensamos em punir. Entendo a fome de justiça por parte de muitos, especialmente por parte dos parentes das vítimas, mas devemos fugir a todo custo de um espírito vingativo que se traduz num processo penal absolutamente iníquo. Beccaria destaca o fato de que a aplicação da lei deve ser clara: “... todo cidadão deve saber quando é culpado ou inocente”. Nada justifica uma lei difusa e aplicada de modo arbitrário. Outro ponto. A finalidade da pena não é atormentar a vida do criminoso: “O fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível... é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”. Veja que um excelente equilíbrio é apresentado pelo jurista italiano. Esta pessoa que praticou o crime não vai ser desnecessariamente afligida, contudo, será punida de uma tal maneira que a sociedade será protegida da ameaça que o criminoso representa. E, ao mesmo tempo, os candidatos em potencial para a prática do crime, chegarão à conclusão de que se levarem adiante seus intentos, farão um péssimo negócio.

Uma outra preocupação que precisamos ter, se é que não queremos criar uma sociedade vingativa e fascista, mas termos um Estado que puna de modo justo, é quanto a um elemento fundamental do processo penal, que vem a ser o papel da testemunha. Beccaria é da opinião de que a credibilidade de uma testemunha “... deve diminuir na proporção do ódio ou da amizade, ou das relações existentes entre a testemunha e o réu’. Muitas vezes o direito é torcido pela acusação leviana que destrói o bom nome de um cidadão. Os indícios do crime devem estar bem fundamentados, e, quanto maior for a independência das provas maior grau de segurança será alcançado ao se estabelecer a sentença: “Quando as provas independem umas das outras, ou seja, quando os indícios se provam por si mesmos, quanto maiores forem as provas aduzidas, mas crescerá a probabilidade do fato, pois a falácia de uma das provas não influi na outra”. Uma testemunha falsa deveria ser tratada severamente: “Mas todo governo... deve infligir ao caluniador a pena que caberia ao acusado”. Os danos que são causados à vida e ao nome do que foi acusado e sentenciado injustamente são tais que, jamais a falsa testemunha deveria escapar incólume. Ficamos a pensar na forma como em muitas ocasiões uma campanha é levada a cabo para se destruir a reputação de um homem, muitas vezes por uma simples questão de diferença ideológica.

Por causa da causa supra mencionada, um homem jamais deve ser considerado culpado antes que sua culpa esteja estabelecida por um órgão competente: “Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi concedida”. Sendo assim, diz Beccaria: “É inocente um homem cujos delitos não estejam provados”. Beccaria é radicalmente contrário à tortura: “Esse é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos”.

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (IV)


Não resta dúvida de que sendo o homem quem ele é o Estado tem que ter o direito de punir. Observa-se em Beccaria um Direito que parte de um pressuposto antropológico bastante realista: “Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depósito do bem comum das usurpações particulares; e tanto mais justas são as penas quanto mais sagrada e inviolável é a segurança e maior a liberdade que o soberano garante aos súditos”. É defeituosa a visão de direitos humanos que de tão preocupada em não punir em demasia (o que é bom, pois esta é outra tendência humana – a aplicação injusta da lei) não leva em consideração o direito de todos à proteção por parte do Estado. Tudo o que o Estado precisa fazer para que a pena seja justa é determiná-la de acordo com o valor “sagrado e inviolável” a ser protegido.

Beccaria é da opinião de que é fundamental para que haja uma queda na prática do crime que as leis sejam do conhecimento de todos: “Quanto maior for o número dos que compreenderem e tiverem entre as mãos o sagrado código das leis, menos freqüentes serão os delitos, pois não há dúvida de que a ignorância e a incerteza das penas propiciam a eloqüência das paixões”. Qualquer cidadão brasileiro fica a pensar no efeito que teria para a nossa segurança pública, o endurecimento do nosso código penal naquilo que ele precisa se tornar mais inflexível, acompanhado de uma propaganda maciça do que custará para o criminoso a quebra da lei.

Para que ocorra um efeito dissuasório por parte da lei quanto à prática do crime, o grande jurista italiano é também da opinião que deve haver uma proporção entre os delitos e as penas: “Não só é interesse comum que não sejam cometidos delitos, mas também que eles sejam tanto mais raros quanto maior o mal que causam à sociedade. Portanto, devem ser mais fortes os obstáculos que afastam os homens dos delitos na medida em que estes são contrários ao bem comum e na medida dos impulsos que os levam a delinqüir. Deve haver, pois, uma proporção entre os delitos e as penas”. Esta proporção é fundamental para que haja justiça, pois é uma iniqüidade punir de modo desproporcional, mas de igual modo é essencial para que os maiores males sejam desestimulados pelas maiores sentenças.

Nesse sentido, Beccaria é do ponto de vista que as penas mais severas deveriam ser aplicadas nos casos em que a razão de ser da organização do Estado fosse violada: o direito à vida:"Seguem-se os delitos contra a segurança individual. Sendo esse o fim primeiro de toda legítima associação, não é possível deixar de aplicar à violação do direito de segurança adquirido por todo cidadão algumas das penas mais severas cominadas pelas leis". Em conexão a isto, Beccaria parece antever as expectativas atuais do povo brasileiro, quanto a necessidade de se punir exemplarmente, aqueles que devido aos cargos que ocupam deveriam ser referência de compromisso com a justiça na nossa nação, mas que são os primeiros a estarem envolvidos com as maiores fraudes: "Os atentados contra a segurança e a liberdade dos cidadãos constituem, pois, um dos maiores delitos, e nessa classe se incluem não apenas os assassíneos e os furtos praticados por plebeus, mas também os dos grandes e dos magistrados, cuja influencia age a maior distancia e com maior vigor, destruindo nos súditos as idéias de justiça e de dever, substituindo-as pela do direito do mais forte, igualmente perigoso para quem o exerce e para quem o sofre".

quarta-feira, 9 de maio de 2007

DOS DELITOS E DAS PENAS - CESARE BECCARIA (III)

Após haver estabelecido a base intelectual do estabelecimento das leis, Beccaria passa para a questão relativa à origem das penas. Isto porque precisamos de leis e dos instrumentos necessários para sua eficácia. Sem as armas (o poder que pune e exerce temor nos cidadãos) e sem as penalidades (que estabelece o preço que vai ser pago por aquele que fez o que é incompatível com a vida em sociedade) a lei é inócua. Fazendo eco a Locke e Rousseau, Beccaria afirma: “As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação”. A análise é perfeita. Estamos unidos sob a égide do Estado (que no nosso caso já estava aí quando nascemos, mas que é construção humana). Mas, como é que ele nasceu? Ele nasce da percepção que precisamos uns dos outros. A raça humana unida é mais forte. O Estado surge como conseqüência natural de algo que é intrínseco a nós: somos seres gregários. Nascemos para a vida em sociedade – “o homem é um animal político”. Há um lado negativo, contudo, nessa organização do Estado. Nós o organizamos a fim de sairmos do inconveniente de uma vida onde prevaleça a lei do mais forte. Sem um Estado de direito o mais fraco será sempre espoliado dos seus bens pelo que é mais poderoso. É a lei da selva. Por isso o cristianismo vê com o horror a anarquia – “O Estado é ministro de Deus para o nosso bem”. O raciocínio é claro: nós criamos o Estado para vivermos uma vida melhor do que a que viveríamos caso ele não existisse com suas lei, sanções e poder de coerção.

Em conexão a tudo isto Beccaria levanta uma pergunta fundamental: De que se constitui a autoridade política de uma nação? Resposta clássica, já formulada por autores que o antecederam: “A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário administrador”. É isto o que o povo brasileiro precisa compreender. Nós abrimos mão da nossa liberdade (a liberdade que teríamos no estado natural. É como se os portugueses ao chegarem ao Brasil dissessem : “agora é cada um por si e Deus por todos”). Não usamos do direito de defender nossa vida portando armas, sentenciando e matando. Conferimos este poder e direito ao Estado. O que é inimaginável é que despojados deste direito, visando uma coexistência melhor através da organização do Estado de Direito, vivamos uma vida pior do que a que estaríamos vivendo no Estado Natural. Observe que é exatamente isto o que acontece quanto à segurança pública no Brasil. Uma sociedade que se desarmou e que colocou sua segurança pessoal nas mãos do Estado, e , que no entanto, esta à mercê de marginais que matam impunemente. Esse Estado estrutura-se em torno de três poderes (legislativo, executivo e judiciário) e esses mesmos poderes criados para tornar a vida em sociedade viável, entregam-se à uma corrupção escandalosa associada a um ambiente de impunidade vergonhoso. Indo para um outro pólo relacionado aos problemas atuais que enfrentamos: a convivência pacífica com qualquer poder paralelo, por mais que aparentemente ele esteja ocupando o vácuo deixado pelo poder público, é a morte do Estado. Carecemos de tratar deste mal gravíssimo mediante os canais democráticos no nosso país.
O desafio da hora presente no Brasil corresponde a duas necessidades sociais: entendermos que sem o poder do Estado é o inferno. Contudo, no Brasil o Estado não funciona como deveria funcionar. De uma certa forma nossa vida é pior do que a que teríamos sem o Estado. Mas, como é patente que carecemos dele, como ir contra ele é ir contra a vontade de Deus, não nos resta alternativa, senão lutarmos para que ele cumpra sua função na história.

Um povo tão condescendente como o nosso (não sou contra o espírito de perdão, tão essencial para a restauração da vida daquele que errou e se arrependeu) precisa saber que as penas são essenciais e que precisam ser aplicadas de modo implacável. Não podemos tolerar que um carro venha a ter seu pneu explodido por buraco de uma estrada, deixando seqüelas no motorista, e, ninguém ser punido por isto. Não pode um cão da raça pitbull destroçar a face de uma menina e o seu dono não sofrer sanção legal alguma. E muito menos ver aquele que recebeu a confiança do povo mediante o voto a fim de cuidar dos interesses da população, usar deste mesmo poder para fraudar, desviar verba de hospital e escola, e passar incólume pela lei.

As leis têm um caráter coercitivo. O Estado, de uma certa forma, não deve conhecer a palavra graça. Se o Estado ministrar graça a vida em sociedade sucumbirá mediante os abusos daqueles que somente são freados pelo medo da punição. Qual o objetivo das penas? Beccaria responde: “As penas têm como objetivo dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos”. Elas são essenciais? “Nem a eloqüência, nem a declamação, nem mesmo as mais sublimes verdades bastaram para refrear por longo tempo as paixões suscitadas pelo vivo impacto dos objetos presentes”. A linguagem que homens maus reconhecem (gostaria de não ter que dizer isso) é a linguagem do medo infligido pela lei. Sem isto é o caos.

DOS DELITOS E DAS PENAS- CESARE BECCARIA (II)

Existe a chamada lei natural. Esta lei que faz parte da constituição humana é uma lei, por conseguinte, à qual todos os seres humanos têm acesso. As variações do ponto de vista ético que encontramos entre as nações não invalidam o fato de que há uma lei impressa no coração dos povos. Jamais foi encontrado um só caso, como lembra C. S. Lewis, de uma nação que tenha saudado e recebido com honra o soldado covarde que abandonou seus companheiros no campo de batalha.
Beccaria destaca a realidade da capacidade humana de perverter o direito. O homem é um ser capaz de relativizar o que é absoluto e absolutizar o que é relativo. Propenso a chamar o mal de bem e o bem de mal. Dado a banalizar grandes ofensas é avultar aquelas que são praticadas contra os seus interesses.
O homem estorva toda sua visão sobre as questões de ordem ética mediante sua obtusidade. Afirma Beccaria: “A virtude natural seria sempre límpida e manifesta se a imbecilidade ou as paixões dos homens não a obscurecessem”. Sem essas pressuposições (as verdades auto-evidentes da lei natural), Beccaria crê que jamais um tratamento correto será dado para as questões de ordem pública: “Tão logo esses princípios essencialmente distintos venham a ser confundidos, deixará de existir a esperança de raciocinar corretamente em matéria pública”. Eu sugeriria como exercício intelectual fundamental para a democracia que procurássemos saber em que crêem e o que lêem os que nos governam. Sabemos que nem sempre há coerência entre o que eles lêem e o que eles fazem. Admitimos que na maioria das vezes a única ideologia que existe é a ideologia do ego. Mas, pode acontecer de um país ser governado por homens que compraram uma visão de mundo que se reflete nas medidas românticas ou perversas que tomam. Hitler com todo sua visão de superioridade racial é um exemplo de uma antropologia perversa. Um exemplo de uma visão do homem (verdades básicas que pressupomos quando paramos para pensar sobre a vida humana) que seja romântica é a que encontramos no nosso país. Homens e mulheres de todos os poderes estão vendidos à uma cosmovisão que os impede de ver adequadamente os seres humanos. Por exemplo, a idéia de que o homem é intrinsecamente bom e que o meio é que o corrompe. Sem uma visão correta sobre a responsabilidade humana, uma dada sociedade pode tratar monstros como meros produtos de injustiças sociais. Não há miséria que explique certos crimes que estão acontecendo no Brasil. Nossa visão indulgente que se reflete em leis frouxas faz com que facínoras sejam ousados na prática do crime.
Beccaria, conclui dizendo: “... pouquíssimos foram os que, remontando aos princípios gerais, aniquilaram os erros acumulados durante séculos...”. O resultado é dramático: “As leis que... deveriam ser pactos entre homens livres, não passam, geralmente, de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nasceram da necessidade fortuita e passageira...”. Qual seria a meta das leis? “A máxima felicidade compartilhada pela maioria”. A democratização da felicidade. Mas, como percebemos de modo especial no nosso país, as leis são estabelecidas para manter os privilégios de uma minoria. Uma minoria eleita para ser a algoz da maioria que a elegeu.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

DOS DELITOS E DAS PENAS – CESARE BECCARIA (I)

Nascido em Milão em 15 de março de 1738, educado pelos jesuítas, Cesare Beccaria entrou para a história do direito por haver escrito em 1763 uma obra referência sobre penalidade legal: Dos Delitos e das Penas.
O grande jurista italiano começa a exposição das suas idéias por tratar da questão referente à base intelectual dos princípios morais e políticos: “São três as fontes de onde derivam os princípios morais e políticos reguladores dos homens. A revelação, a lei natural, as convenções factícias da sociedade”. Estes seriam, sendo assim, os grandes pressupostos para o estabelecimento das leis. Deus revelou na sua Palavra o que ele quer do homem, escreveu em seu coração a sua lei e os homens de acordo com as contingências da vida tratam de sair em busca de normas que visam aplicar de modo específico aquilo que se lhes configura como certo. Poderíamos mencionar como exemplo da regra moral apresentada pela Bíblia a necessidade do ser humano amar o próximo com a espécie de amor que Cristo revelou – amor sacrificial. Amor que tem como referência o sacrifício de Cristo visando à salvação do ser humano. Um exemplo nítido da lei natural é o direito à vida, e um exemplo das chamadas convenções factícias são as leis de trânsito.

Podemos observar a mudança que houve em nossa era quando o assunto é a base intelectual para a construção dos nossos valores morais. Muitos não percebem que, parte dos problemas que enfrentamos na nossa sociedade, tem a ver com o fato de que a base intelectual apresentada por Beccaria para a edificação dos nossos valores, foi removida pelo pensamento pós-moderno. Toda a idéia de valores morais absolutos tem sido combatida por intelectuais que ao mesmo tempo são contra a guerra no Iraque e exigem uma solução para o problema da violência no Brasil. Fico a pensar em até onde esta perspectiva pós-moderna associada ao conceito de que o homem é um ser de comportamento tão-somente condicionado pelo meio em que vive, ou pelas experiências vividas na primeira infância, ou pela química do seu cérebro (o que elimina todo o conceito de responsabilidade humana), tem influenciado nossos legisladores a ponto de serem tão lentos nas medidas legais que precisam de ser tomadas a fim de que as penas sejam mais duras e aplicadas com maior rapidez.

Antonio Carlos Costa

domingo, 6 de maio de 2007

CÁLICES DIFERENTES

Todo homem deseja a felicidade. Isto todos sabemos. O que nem todos percebem é que podemos experimentar níveis de felicidade diferentes. Não falo propriamente sobre as diferenças óbvias de felicidade desta vida. Sei que uma é a alegria de participar de um banquete, outra é a alegria de ter um encontro com o amor da sua vida. Uma é alegria de ver seu time de futebol ganhar, outra é a alegria de ver a saúde de um filho restaurada. Penso acima de tudo numa felicidade de outra espécie. Aquela que tem a ver com o propósito para o qual o homem foi criado.

O Senhor Jesus ressalta que o homem foi criado para amar a Deus com toda a sua força, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Há uma alegria que tem relação com este mandamento. É de uma natureza diferente. É a alma alcançando sua plenitude. É o ser humano perante um bem eterno, perfeito e imutável. É a contemplação de uma beleza perfeita e que amou, ama e amará aquele que a adora.

Uma é a alegria dos animais, outra é a alegria dos anjos. Uma é a alegria da satisfação de um instinto humano qualquer, outra é a alegria da alma perante a sua "divina delícia". O cristão não menospreza os prazeres desta presente vida, mas é alguém que compreende que foi criado para um prazer maior. Perfeitamente adaptado à sua alma. "O vazio do coração do homem é do tamanho de Deus".

O que todos precisamos entender é que temos ambições diferentes. Há pessoas que são chamadas de ambiciosas por desejarem certas coisas. Mas, se sondarmos sua ambição perceberemos que seu problema deve-se ao fato de desejarem pouco. Elas se contentam com aquilo que satisfaz de igual modo os animais, mas que está longe de ser o que os anjos e os santos de Deus procuram. É ambição demais se satisfazer com sexo, álcool, fama, dinheiro e poder?

O cristão tem a ambição que o faz olhar para o alto. Clama por provar da plenitude daquele que é a porção da sua alma. O que ocorre é que temos cálices diferentes também. Muitos estão satisfeitos com o que alcançaram, mas por apresentarem recipientes pequenos diante de Deus, contentam-se com muito pouco. Outros alcançaram seu nível de plenitude, mas numa proporção tal que, não pode ser compreendida por aquele que não provou de tamanha expansão de alma. Penso que é chegada a hora de fazermos uma oração ambiciosa: "Deus, por obra do seu amor sem fim, amplie minha capacidade de recepção do seu amor. Não permita que o cálice da minha alma seja pequeno".

sábado, 5 de maio de 2007

A ALEGRIA NO SENHOR - Filipenses 4: 4

I- INTRODUÇÃO.
O capítulo quatro da carta aos filipenses, conforme já pudemos observar, revela a preocupação do apóstolo com dois aspectos absolutamente essenciais da vida espiritual da igreja: primeiro, a comunhão com Deus (v.1). Seu desejo era o de ver todos firmes na decisão que haviam tomado de entregar sua vida a Deus e viver para a glória do santo nome do seu Criador. Em segundo lugar, o apóstolo Paulo revelou sua preocupação com a comunhão da igreja – os relacionamentos inter-pessoais da comunidade da fé (v.2). Sendo assim, podemos afirmar que ele queria ver os membros da igreja vivendo em harmonia com Deus e uns com os outros.

A partir do versículo quatro observamos uma clara mudança na tônica da mensagem do apóstolo Paulo. Em vez de expressar seu anelo de ver todos em paz com Deus e em paz uns com os outros, ele revela a sua vontade de ver todos em paz consigo mesmos (vs. 4-9). Desse modo, somos introduzidos numa das porções das Escrituras Sagradas que mais falam sobre a psique humana.

Na mensagem cristã pode-se observar com clareza uma desembocadura psicológica. É inevitável a aplicação direta do sistema bíblico na vida psíquica do ser humano. Ao exaltar o amor de Deus pelo seu povo, a Bíblia leva qualquer homem ou mulher a tratar dos males da sua alma à luz desta nova e gloriosa perspectiva de vida. Em muitas ocasiões a aplicação é tão direta e natural que, quem a experimenta mal pode avaliar as transformações que foram operadas no seu próprio coração. Mas, há textos da Palavra de Deus onde a dimensão psicológica da vida humana é tratada de modo direto. E, esta seção da Escrituras Sagradas que estamos examinando é uma delas.

Deus quer que seu povo viva em paz. O bem-estar psicológico é possível e deve ser conscientemente buscado pelo crente. É isto que este texto nos ensina. A passagem é profundamente positiva, esperançosa e plena de orientação segura a fim de que aquele que teve um encontro com Cristo tenha felicidade nesta vida.

O apóstolo Paulo ao tratar da alma humana na forma da apresentação de um caminho de felicidade real a ser desfrutada mesmo antes da chegada do crente ao céu, começa por uma das características da vida bem-aventurada. O ser humano feliz é alegre. E, a grande notícia que Deus tem a ensinar para o seu povo é que aquele que anda com Cristo pode ter alegria no seu coração.

Certamente o apóstolo Paulo começa pelo tema alegria pelo simples fato de ela ser uma das conseqüências naturais da verdadeira vida cristã. Mas, não apenas isto, a própria vida cristã com todas as lutas e desafios que lhe são inerentes só pode ser vivida por uma igreja que aprendeu a se regozijar em Deus. “A alegria do Senhor é a nossa força” (Ne 8:10).

Paulo revela compreender que a alegria é tanto produto da fé cristã quanto fundamental para a saúde espiritual do crente. Qual o papel da alegria cristã em nossa vida? O que é a alegria cristã? Como experimentá-la?

No próprio mandamento já podemos ver estas perguntas respondidas por força de uma verdade que emerge dele mesmo: O CRENTE É ALGUÉM QUE PODE SEMPRE ENCONTRAR MOTIVO DE ALEGRIA NA VIDA.

Se é possível o crente sempre encontrar motivos de alegria na vida como também é um mandamento ser alegre, isto só pode significar as seguintes coisas: primeiro, sempre há algo na vida que está acima de todas as circunstâncias que pode alegrar o coração do crente. O que quer que isto seja deve ser um bem eterno, imutável e que se adapta as demandas mais profundas do coração do crente. Segundo, por se tratar de um mandamento, certamente esta alegria deve ser de fundamental importância para sua vida espiritual, e, em terceiro lugar, trata-se de algo que de uma certa forma não é externo ao crente. Só pode ser uma coisa que de algum modo está em seu poder e que pode ser acionado.

Gostaria, então, de responder as perguntas supra mencionadas: O que é a alegria cristã? Qual o papel da alegria em nossa vida? Como experimentar a alegria cristã?

II- O QUE É A ALEGRIA CRISTÃ?
O que significa a palavra regozijo? Não é possível que Paulo esteja falando aqui de uma alegria que tem relação com os prazeres temporais que o próprio Deus proporciona aos seus eleitos, pois como todos sabemos, estes nem sempre os temos, donde se infere que o apóstolo Paulo jamais falaria de uma alegria constante se para tal dependêssemos deste tipo de coisa. É fato que a alegria de natureza espiritual sobre a qual Paulo fala pode vir acompanhada de inúmeros benefícios temporais que o crente mais do que ninguém sabe desfrutar. O crente é o único entre os homens que tem alguém para agradecer no universo. O ímpio pode até agradecer a Deus, mas não como quem agradece a um Pai que pelo seu favor imerecido abençoa os seus para que estes possam glorificá-lo com suas vidas.

O que seria esta alegria então? Antes de propriamente responder a pergunta gostaria de fazer algumas afirmações preliminares que servirão de base para uma definição.

1- O CRENTE É ALGUÉM QUE TEM MOTIVO PARA SE ALEGRAR.
Esta é a primeira verdade sobre o crente. O crente é alguém que tem motivo para se alegrar. Qual a importância de se fazer esta afirmação? A importância deve-se ao fato de vivermos num século de profundo pessimismo filosófico. Apesar de todos os avanços tecnológicos que fazem com que qualquer cidadão de classe média viva uma vida melhor do que os reis do passado, nada disso representou um avanço na solução dos grandes enigmas da vida: quem somos? De onde viemos? E para onde vamos?

Hoje os filósofos não saem mais em busca de respostas. Eles simplesmente não crêem que elas existam, o que nos leva a presenciar a morte da filosofia. Soma-se a isto o fato de que o homem embora possa clonar ovelhas e mandar espaçonaves para Marte continua perverso. E este é o drama atual, todo este poder tecnológico está nas mãos de seres com natureza de serpente.

Fora tudo isto, temos que enfrentar o que sempre foi marca de todas as gerações: caminhamos inexoravelmente para a morte. Lá no fim da estrada encontra-se ela para nos separar de tudo que amamos. Mais alguns verões, mais alguns outonos, mais alguns invernos, mais algumas primaveras e estaremos deixando para trás o que mais estimamos.

Pascal: “Imagine-se uma porção de homens na cadeia todos condenados à morte: uns são diariamente degolados à vista dos outros, enquanto os que ficam vêem a sua própria condição na dos seus semelhantes e, entreolhando-se com dor e sem esperança, esperam a sua vez. É a imagem da condição dos homens”.

O fato é que aqui estamos diante de uma passagem que diz que o crente deve se alegrar e que por não ser um texto isolado, pois o que mais encontramos na Bíblia são textos sobre a alegria dos crentes, somos todos confrontados pela verdade de que o crente tem motivo para se alegrar.

2- O CRENTE É ALGUÉM QUE TEM MOTIVO PARA SE ALEGRAR SEMPRE.
Esta é outra afirmação surpreendente no texto de Filipenses. Todos estamos acostumados com uma alegria palpável, que tem uma razão de ser objetiva. É o filho que se formou, a promoção que veio, o carro que foi trocado e assim por diante. Mas, o que falar de uma alegria quando todas estas coisas faltam? O que falar de uma alegria que tem sempre uma razão de ser e que está para além das contingências da vida? Como encarar uma alegria que não precisa de narcóticos?

É como se o apóstolo Paulo estivesse a falar sobre a importância do crente ser alegre, e, ao alguém fazer uma pergunta relacionada ao quando ele respondesse: “sempre”.

Só pode haver uma explicação para tal: o crente é alguém que conhece a si mesmo, a vida e aquilo que se constitui no bem supremo do homem. O crente é alguém que sabe o que o coração de todo homem anseia, o que o coração de um regenerado vem a ansiar, o que a vida pode lhe proporcionar e o que vem a ser o grande bem da vida. E o que é óbvio, o crente é alguém que encontrou um bem eterno, que adapta-se as suas mais profundas expectativas com respeito à vida e que só pode ser eterno e imutável, caso contrário o medo de se perder o bem achado geraria uma ansiedade que haveria de lhe roubar toda alegria.

3- O CRENTE É ALGUÉM QUE TEM MOTIVOS PARA SE ALEGRAR SEMPRE PORQUE CONHECEU A DEUS ATRAVÉS DE CRISTO.
A razão nos remete para esta resposta. Que bem pode satisfazer a alma humana sempre e de uma tal maneira que esta sempre tenha motivo para se alegrar que, não seja eterno, perfeito e imutável? E onde em um mundo como o nosso podemos encontrar algum bem com estes atributos?

Agostinho: “Quem me fará descansar em Ti? Quem fará com que venhas ao meu coração e o inebries a ponto de eu esquecer os meus males, e me abraçar a Ti, meu único bem? Que és para mim? Tem misericórdia, para que eu fale. Que sou eu aos teus olhos, para que me ordenes amar-te e, se eu não o fizer, te indignares e me ameaçares com imensas desventuras? Como se o não te amar já fosse desgraça pequena! Dize-me, por compaixão, Senhor meu Deus, o que és Tu para mim? Dize à minha alma: Eu sou a tua salvação! Dize de forma que eu escute. Os ouvidos do meu coração estão diante de Ti, Senhor; abre-os e dize à minha alma: Eu sou a tua salvação. Correrei atrás destas palavras e te segurarei. Não escondas de mim a Tua face: que eu morra para contemplá-la e para não morrer!”

O que Deus revela ao crente que faz com que este sempre tenha motivos para se alegrar?

3.1- O CRENTE É ALGUÉM QUE TEM MOTIVOS PARA SE ALEGRAR SEMPRE PORQUE SABE QUE FOI AMADO COM AMOR ELETIVO POR DEUS NA ETERNIDADE.
O crente é alguém que conhece Deus como excelente. Não apenas crê na existência de Deus, mas se maravilha com a beleza de Deus. Esta beleza independe do fato de Deus salvar o crente ou não. Deus não é excelente para o crente porque o salvou. Deus poderia muito bem revelar sua justiça recusando-se salvá-lo, aplicando assim em sua vida justiça em vez de graça.

O que deixa o crente em estado de perplexidade repleta de alegria é saber que este que é excelente fixou o Seu infinito amor em sua pobre vida pecadora. E mais do que isto, trata-se de um amor que foi fixado na vida do crente na eternidade. O crente é eleito!

O crente pode se alegrar sempre no Senhor por saber que sua salvação não pode ser atribuída ao acaso, mas ao amor soberano de Deus (Fp 1:6).

3.2- PORQUE SABE QUE É AMADO POR DEUS.
A convicção fruto de conclusão lógica da premissa anterior é que o crente sabe que é amado agora. Sua vida esta sob este amor. Mas, em que difere o amor que Deus tem pelo pecador para o amor que Deus tem pelo crente? O amor que Deus tem pelo crente, em primeiro lugar, faz com tudo o que acontece em sua vida coopere para o seu bem. Em segundo lugar, o amor que Deus tem pelo crente é diferente do amor que tem por uma simples criatura. Deus não ama o crente como Criador, mas sim como Pai. Em terceiro lugar, o amor que Deus tem pelo crente vem acompanhado de deleite. O crente agrada a Deus.

3.3- PORQUE SABE QUE SERÁ AMADO POR DEUS POR TODA A ETERNIDADE.
Como este amor não repousa no que o crente faça ou tenha feito, mas sim no seu plano eterno, que garante a eficácia no presente da obra do Espírito Santo no coração do crente, este sabe que será amado por toda a eternidade (Fp 3: 20-21).

Em resumo, este amor tem as seguintes conseqüências para a vida dos filhos de Deus: a experiência de uma alegria que tem sua razão de ser num passado para o qual o crente pode olhar com a gratidão de quem sabe que sempre foi amado, um presente que o enche de segurança e um futuro que não lhe causa ansiedade.

Gratidão, humildade e segurança vêm a ser as três características da vida do crente, em especial, se este é calvinista, pois tal doutrina faz parte de modo especial do sistema doutrinário reformado (há frutos que só nascem em solo calvinista).

III- QUAL O PAPEL DA ALEGRIA CRISTÀ NA VIDA DE UM CRENTE?
O crente ao pensar na razão de ser do mandamento da alegria deveria ser levado às seguintes conclusões: primeiro, a alegria é uma das características da vida regenerada. Um homem crente é alegre. Como diz Calvino: “Uma verdadeira vida religiosa é uma vida de constante alegria”. “Muito ingrato é o homem perante Deus, que nao avaliou de modo elevado a justiça de Cristo e a esperança da vida eterna, a ponto de regozijar-se no meio da dor”.

Howard Marshall faz a seguinte afirmação: “Se nossa experiência cristã não nos leva à alegria, faremos bem em perguntar se é genuína... A alegria cristã é a atitude natural do crente”. Indiscutivelmente a marca de um cidadão do reino é a alegria.

Em segundo lugar, a alegria cristã é uma forma do crente responder à vida de uma tal maneira que não sucumba à tristeza, dando largas a ela e permitindo assim que as circunstâncias determinem sua maneira de viver. Como diz Calvino: “Eu refiro isto a moderação de espírito, quando a mente mantém a si mesma em calmaria sob a adversidade, e não dá indulgência para a tristeza”.

Em terceiro lugar, trata-se de algo que torna o crente uma bela apresentação do evangelho.

Em quarto lugar, quanto mais alegre for o crente mais poderá servir o próximo. Howard Marshall: “Da alegria do seu coração o crente tem melhores condições de consolar outras pessoas”.

IV- COMO EXPERIMENTAR A ALEGRIA CRISTÃ?
A primeira coisa que o crente precisa saber para experimentar a alegria no Senhor é saber que é possível. Vivemos em meio a um ceticismo tamanho que até mesmo crentes não crêem que seja possível viver o mandamento bíblico. Segundo, orar. Mais adiante o apóstolo Paulo falará sobre a necessidade imperiosa de orar, pois certamente oração contínua representa alegria contínua. Em terceiro lugar, pensar. O crente não deve procurar fabricar alegria. A ele cabe aplicar sua mente à Palavra de Deus. Pegue os textos onde aparecem a palavra Khairete (Mt 5:12; 28:9; Lc 10:20; II Co 13:11; Fp 2:18; 3:1; 4:4; I Pd 4:13). Quarto, o crente deve fazer um auto-exame. O pecado, mais do que as lutas da vida, é o que com maior freqüência leva a alegria do crente (Sl 51). Em quinto e último lugar, o crente deve procurar saber onde está o seu tesouro. Em muitas ocasiões Deus haverá de lhe proporcionar motivos temporais de alegria e caberá ao crente não desprezar estes sinais do favor divino. Mas vale a advertência do Senhor Jesus aos seus discípulos: “Alegrai-vos... porque os vossos nomes estão arrolados nos céus”. (Lc 10: 19-20)

V- CONCLUSÃO.
Esta passagem só se aplica ao crente. Não há como dizer para aquele que não conhece a Deus através de Cristo: “alegrai-vos sempre”. Pois, é indispensável o acréscimo: “... no Senhor”. Essa alegria no Senhor é de tal modo possível que podemos exortar todos os crentes duplamente: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos”.

Isaac Watts:
“Vinde, vós que conheceis ao Senhor
E fazeis conhecidas as vossas alegrias
Recusem-se a cantar
Os que nunca conheceram o nosso Deus
Mas aos filhos do Rei celestial
Devem publicar aos brados as suas alegrias”.
Antonio Carlos Costa
Sermão do domingo 06/04/07
Igreja Presbiteriana da Barra

quarta-feira, 2 de maio de 2007

O SILÊNCIO DOS BONS

A ONG Anistia Internacional está divulgando um relatório com duras críticas à política de segurança do Brasil. No documento constam denúncias gravíssimas que não são dignas de um país que queira fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. Como o Brasil pode ter o respeito das demais nações se permite que os crimes apontados pelo relatório façam parte do cotidiano das suas cidades?
Os erros na área da segurança pública que mais chamam a atenção da Anistia Internacional têm relação com o despreparo da nossa polícia (mal treinada, sem recursos e com pouca capacidade para ações de inteligência), negligência dos estados com bairros pobres (zonas sem lei onde os moradores são atacados por bandidos e pela polícia), falta de política de segurança pública (focada na exclusão social como causa de violência), sistema penitenciário em colapso (com corrupção e dominado pelo crime organizado). Para Anistia o crime está enraizado, há vantagens corruptas no sistema judicial interessado em manter os problemas, promessas de campanhas para o campo da segurança pública não foram cumpridas, ligações de alto nível com o crime organizado dentro da polícia, entre tantos outros problemas.
Os números apresentados pela Anistia são assustadores. No ano de 2006 houve mais de 1.000 mortos em ações policiais no Rio de Janeiro. Entre 1998 e 2005, ocorreram 6.336 homicídios por ano no estado, ou 43, 5 mortes para cada 100 mil habitantes. Em dezembro de 2006 as milícias controlavam 92 das mais de 500 favelas do Rio.

Todos estes dados nos levam a algumas conclusões. Não há necessidade social maior no Brasil de hoje do que uma ação radical do poder público no campo da segurança pública. Milhares de famílias brasileiras estão de luto. Basta que multipliquemos cada morte pelo número de familiares das vítimas de homicídio para podermos dimensionar a extensão da dor. É a vida que se foi e a vida que ficou. A vida que foi interrompida e a vida que foi marcada para sempre. Em suma, os milhares que deixaram de viver e os milhares que não sabem o que fazer para encontrar sentido na vida. Até quando a democracia brasileira suportará tudo isso? O povo brasileiro tem expressado menosprezo pela sua pátria e dúvida quanto a viabilidade da democracia. A democracia, infelizmente, não é mais uma valor inegociável no coração de muitos cidadãos brasileiros. Isto precisa ser dito. Qual cidadão desse país que nunca ouviu alguém falar: “no tempo da ditadura militar não era assim”, “o Brasil só funciona com ditadura”?

O relatório da Anistia Internacional, apesar de excelente, não traz nada de novo para a sociedade brasileira. Não penso tanto nos pobres que, estão lutando pela vida, muitas vezes sem poderem falar por estarem acuados pelos criminosos, que não possuem dinheiro para comprar jornal e não têm acesso na maioria dos casos às informações. Penso na classe média brasileira, nos artistas, nos padres, nos pastores, nos empresários, nos estudantes, nos professores, entre tantos outros. Gente que não recebeu nenhuma informação nova através do documento da Anistia, mas que permanece desorganizada, inerte e muda perante toda esta tragédia que nos assoma. O pastor Martin Luther King descreveria muito bem o que deve nos supreender tanto quanto a prática indiscriminada do crime no Brasil: “Não me surpreendo com o grito dos maus, mas sim com o silêncio dos bons".

Antônio Carlos Costa
Rio de Paz