ENTREVISTA AO PORTAL DO VOLUNTÁRIO
1- Na sua opinião, o que é e qual a importância do Manifesto Rio de Paz pela Redução de Homicídios?
Resposta: O Manifesto Rio de Paz pela Redução de Homicídio trata-se de um apelo ao poder público por parte de uma sociedade que está cansada de enterrar os seus mortos por assassinato, que não suporta mais viver com medo e exige que a constituição federal seja cumprida no seu item mais elementar que é o direito de todo ser humano à vida. Seu conteúdo envolve 15 medidas que precisam ser tomadas para que haja um queda no número de homicídios no Brasil, que hoje encontra-se na casa dos 50 000 por ano. O valor de uma campanha como essa reside no fato de que parte da sociedade civil brasileira está se organizando em torno de um documento cujas propostas são factíveis e pertinentes a fim de fazer mover o braço do estado, sem cuja ajuda jamais sairemos desse caos.
2- Quando e como começou a ser pensado o Manifesto?
Resposta: O manifesto começou a ser redigido no final do ano passado após o contato com algumas das principais autoridades em segurança pública do nosso país (meio acadêmico, policiais, jornalistas, poder público, entre outros) e um fórum que o Rio de Paz realizou em parceria com a ONU sobre o problema da violência. Seu conteúdo deve-se de modo especial ao trabalho do Ignácio Cano da UERJ, Elizabeth Sussekind da PUC-Rio, Jorge Antônio Barros do jornal O Globo e eu.
3- Como foram discutidas as propostas que compõem o Manifesto?
Resposta: Um texto base foi enviado pelo Ignácio, em seguida eu o ampliei e o submeti à apreciação do Jorge Antonio (que após algumas dicas importantes tratou de publicá-lo numa edição do mês de Dezembro do referido jornal) e, por fim, a Elizabeth fez os acertos finais, mudando algumas palavras e agrupando itens. Somos devedores a um mundo de gente. Mas estas pessoas trabalharam de modo especial na confecção do manifesto.
4- Quais medidas do projeto são mais polêmicas, na sua opinião?
Resposta: O manifesto representa quase que na sua totalidade a apresentação de muita obviedade. É isto que nos chama a atenção nesse presente momento da nossa história: como que medidas tão óbvias não são postas em pratica a fim de salvar a vida de milhares de brasileiros? O manifesto só se tornará polêmico para aqueles cujos interesses corporativistas terão que ser confrontados, pois há um preço a ser pago por todos nós para que essa taxa imoral de homicídio caia no Brasil.
5- Quais dessas medidas você considera mais difíceis de serem executadas?
Resposta: O grau de dificuldade para implementação dessas medidas é proporcional ao nível de nosso interesse pela vida do povo brasileiro. Se houver grande interesse, por exemplo, na vida do pobre, jovem, negro, cuja idade varia de 14 a 25 anos, do sexo masculino e fora da escola, não haverá problema em tornar essas reivindicações uma realidade. Estes são os que mais morrem no Brasil de hoje. Tenho para mim que a classe média há muito já teria reagido se os seus filhos fizessem parte dessa estatística na mesma extensão em que os pobres fazem.
6- O texto do Manifesto se refere à fiscalização do cumprimento das medidas propostas. Como será feita essa fiscalização?
Resposta: Os milhares que estão assinando o manifesto estão fazendo parte do nosso banco de dados, prontos para serem acionados via internet. Um lobby do bem será feito por nós em Brasília. Continuaremos os protestos nas ruas do Brasil, com a diferença de que agora estaremos representando os milhares que assinaram o documento. Pessoas do Rio de Paz serão designadas para acompanharem passo a passo as ações do poder público no campo da segurança pública. Não aceitaremos procrastinação. Deixar para amanhã o que devemos fazer hoje (tão comum na nossa cultura) representará a morte de muita gente.
7- Qual a espectativa do movimento para o recolhimento das assinaturas? Existe alguma data limite para este recolhimento?
Resposta: Não há nenhuma data limite. O que queremos é um milhão de assinaturas no mínimo. Quando esse dia chegar rumaremos para Brasília. Creio que isto acontecerá esse ano. E quanto mais rápido melhor, pois isso expressará o fato de que a queda na taxa de letalidade no Brasil é um anelo de todo o povo brasileiro.
8- O Movimento Rio de Paz começou há cerca de um ano no Rio de Janeiro e se espalhou para todo o Brasil. A iniciativa do Manifesto é de interesse de todo o país, ou está mais restrita ao universo dos cariocas?
Resposta: O Rio de Paz começou com a preocupação de salvar os cariocas desse massacre histórico de vidas humanas. Paramos para estudar o assunto. E descobrimos que o problema da violência não está circunscrito ao estado do Rio de Janeiro, mas trata-se de uma tragédia que envolve os principais estados brasileiros. Por isso realizamos protestos em Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Hoje o nosso sonho é ver brasileiro parar de morrer.
9- Que outras iniciativas do Movimento merecem destaque?
Resposta: Todo o trabalho de conscientização da população que temos desenvolvido mediante os fóruns que realizamos em parceria com a ONU e os debates em plena luz do dia, ao ar livre, na praia de Copacabana. Os protestos que despertam a consciência da população e chamam a atenção da mídia e do poder público, sempre de modo pacífico, são igualmente importantes. Mas, espero um dia pode falar de milhares de crianças pobres matriculadas em escolas com padrão de excelência de primeiro mundo.
10- O Movimento não tem vínculo com nunhuma instituição política. Quem são os parceiros do Rio de Paz?
Resposta: O Rio de Paz não pode, em razão do seu próprio estatuto, ter vínculos políticos ou receber recursos do estado. Queremos independência de tudo e de todos para erguemos a voz em favor da vida no Brasil. Espero nunca acontecer de não podermos falar o que pensamos porque dependemos de verba pública para sobreviver. Permita-me dizer que o Rio de Paz tem vivido da famosa “vaquinha”. É um bocado de gente próxima a nós que ajuda a pagar as contas dos protestos dando alguma coisa bastante módica.
11- Qual a importância do trabalho voluntário para o movimento? Qual o número de voluntários que trabalham para o projeto?
Resposta: A importância do voluntário deve-se ao fato de que não temos recursos hoje para investir em pessoal, dependendo assim da boa vontade das pessoas. São eles que ajudam na hora da “vaquinha”, montam os protestos de madrugada para que quando o dia amanhecer esteja tudo pronto, nos socorrem na divulgação do manifesto e haverão de um dia nos auxiliar nos projetos sociais que vamos desenvolver. Hoje temos umas 50 pessoas prontas para entrar em ação a qualquer hora e duas que são mantidas pelo Rio de Paz para trabalho de tempo integral. Mas, posso garantir que temos milhares, literalmente milhares, de simpatizantes.
12- O Rio de Paz se notabilizou e ganhou espaço na mídia pela criatividade dos seus protestos (como as cruzes e as rosas nas areias de Copacabana, por exemplo). Quais são os objetivos dessas campanhas?
Resposta: Sensibilizar a população para que a cultura de banalização da vida humana no Brasil seja combatida frontalmente. Espero que nosso trabalho leve milhares a gritar quando brasileiro for explorado ou desrespeitado na sua dignidade de ser humano.
13- Segundo o Rio de Paz, “A violência é o problema social mais grave do nosso país”. O que está sendo feito, hoje, nos diversos setores da sociedade para reverter este quadro?
Resposta: A violência é o principal problema social do Brasil porque envolve um valor inegociável e que se constitui na razão de ser da organização do estado democrático de direito - o direito à vida. E esse valor não está sendo respeitado no Brasil num nível inaceitável. Quanto às ações contra a violência, houve o PAC do governo federal. Excelente iniciativa. Não é perfeita, mas já é alguma coisa. Contudo, sem os 15 pontos do manifesto não há esperança de queda na taxa de letalidade no Brasil.
14- Na sua opinião, o brasileiro, em especial o carioca, “já se acostumou com a violência”, como muitos afirmam?
Resposta: Sofremos de uma patologia social no Brasil que se manifesta de duas formas: a primeira, a prática ativa do crime. A segunda, a indiferença, a falta de espanto, lágrimas e ação. Mas, há milhares que querem participar e não sabem como. O Rio de Paz visa criar esta oportunidade de participação cívica a partir da organização da sociedade civil visando a defesa dos direitos humanos.
15- Qual a relação entre violência e desigualdade social, para você?
Resposta: Que há uma relação isso é inegável. O garoto pobre é facilmente envolvido por traficantes que propõe salários que não se encontram no mercado de trabalho. Ganha-se no tráfico em uma semana o que se costuma ganhar em um mês de trabalho duro. Mas, essa relação não deve ser vista em termos absolutos. Caso contrário não teríamos explicação para os jovens pobres que não se envolveram com o crime. Estes são em maior número do que os que se envolveram. Como explicar? Ouso dar uma resposta sem base em dado estatístico algum. Falo a partir do que percebo. Religião, educação e família são o que mais contribui para manter um jovem pobre longe do crime.
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