segunda-feira, 8 de outubro de 2007

SERMÃO DE DOMINGO 7 DE OUTUBRO

A VOZ DO SANGUE

“Disse Caim a Abel, seu irmão: vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou. Disse o Senhor a Caim: onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei: acaso sou eu tutor de meu irmão? E disse Deus: que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (Gn 4:8-10)

Aqui estamos diante de um relato digno de constar em qualquer livro de história geral – a história do primeiro caso de homicídio. A riqueza desta passagem consiste no fato de que uma análise teológica do episódio é feita – o dia em que pela primeira vez um ser humano matou um de sua raça. Tal acontecimento, para sermos mais pessoais, é relatado pela Bíblia tal como foi visto pelo olhar do Criador do homicida e da vítima.

Uma lição básica e preliminar nos é ensinada por esta passagem: Deus atentou para o que ocorreu. Deus viu.

Uma grande verdade emerge deste texto: Deus conhece a forma como cada um de nós se relaciona com o próximo. Uma pergunta se impõe: o que significa aos olhos de Deus a nossa prática do mal contra aquele que faz parte da nossa raça?

1. DEUS TEM COMO DETESTÁVEL O DOLO DAS NOSSAS AÇÕES.
Observe que a Bíblia descreve não apenas o homicídio, mas a forma como ele foi tramado. Um dia Caim virou-se para seu irmão e o convidou para ir ao campo. O convidou para quê? Orar, contemplar a natureza, conversar, trabalhar? Não. Tudo o que ele queria era destruir a vida do seu irmão longe da vista de todos. Este é o ponto: Deus sabe também diferenciar homicídio culposo de homicídio doloso. Ele conhece o que fazemos. Ele conhece o que nos motiva a fazer o que fazemos. Sabe das nossas ações. Sabe das nossas intenções. De longe penetra nossos pensamentos, a ponto de saber de antemão quando estamos maquinando o mal contra alguém. Ele tem consciência da nossa trama para adulterar, passar alguém para trás, destruir a reputação do próximo, manipular os sentimentos de uma pessoa. Ele sabe até mesmo quando nossa boa obra não é boa. Quando ela é boa apenas no gesto e não no propósito.

2. DEUS CONHECE O NOME DO PECADO DO HOMEM.
Tudo é pecado aos seus olhos. Alguns pecados são mais graves do que outros. Uma coisa é pecar contra um estranho, outra coisa é pecar contra a mãe. Ambos são pecado. Mas, o primeiro é menos grave do que o segundo. Quanto mais devemos a alguém, quanto mais uma pessoa é excelente, quanto mais por motivos naturais devemos nos mostrar inclinados a amar um ser humano, pior a nossa iniqüidade praticada contra o mesmo.

Nossos pecados podem receber os mais diferentes tipos de classificação. Uns são intelectuais, outros são emocionais. Alguns estão na categoria de pecado de omissão. Outros na categoria de pecado de comissão. Pecamos quando fazemos certas coisas. Pecamos quando deixamos de fazer outras.

Nosso pecado contra o nosso semelhante pode receber o nome de inveja, traição, indiferença, entre tantas outras designações mais. São muitas as formas de tornarmos a vida de alguém mais difícil. No caso do texto que acabamos de examinar, a Bíblia diz que Caim matou Abel. Seu pecado é chamado de homicídio.

3. DEUS TEM COMO ABOMINÁVEL O ATO DE DEIXARMOS DE VER NOSSO SEMELHANTE NA PERSPECTIVA CORRETA.

É curioso observar nesta passagem a quantidade de vezes em que a palavra irmão aparece no texto. Ela ocorre cinco vezes. Às vezes de modo aparentemente desnecessário: “Onde está Abel, teu irmão?”.

O texto enfatiza o fato de que Caim era irmão de Abel. E isto cinco vezes em três versículos. Por que? Certamente para enfatizar o fato de que um dos erros de Caim foi o de deixar de ver seu irmão pela perspectiva correta. Ela não havia matado um boi, uma galinha ou uma lagartixa. Ele matara um homem. Alguém criado a imagem e semelhança de Deus. Um ser com potencial para fazer ciência, mandar uma espaçonave para Marte, escrever poesia, governar nações, olhar para as estrelas e atribuir sua existência a Deus. Caim interrompera a vida de alguém a quem Deus muito estimava. Matou alguém cuja vida pertencia a um outro – a Deus.

O homem até hoje tem dificuldade de saber o que se passa na cabeça de um animal. Os cães pensam e amam? Ao matar Abel, Caim havia matado um irmão. Alguém da sua raça. Um ser cuja interioridade ele conhecia muito bem – pelo simples fato de ser homem, irmão, membro da mesma raça.

Sem este irmão a vida se tornaria insossa. Deus criou o homem para ser feliz ao lado de um semelhante. Felicidade plena é justamente aquele que é compartilhada. Ao destruir a vida de Abel, Caim havia destruído a sua.

4. DEUS NÃO APROVA QUALQUER ESPÉCIE DE RELAÇÃO DO HOMEM COM O SEU SEMELHANTE QUE SEJA IRRESPONSÁVEL.

No verso nove, o texto de Gênesis apresenta o homem funcionando da pior forma. O ser humano numa péssima condição espiritual, moral e psicológica. O que caracteriza este homem? Primeiro a mentira. Ele mente a Deus. Ele diz que não sabia do paradeiro do seu irmão: “Onde está Abel, teu irmão? não sei”. Claramente a Bíblia quer dizer que ele sabia e deveria saber. Esta é a pergunta que nos é feita todos os dias: “onde está Abel, teu irmão?”.

Em seguida, Caim oferece sua resposta final a Deus: “por acaso sou eu tutor do meu irmão?”. Note, perdoa-me repetir, que quem diz é Caim. Um homem num péssimo momento de sua vida. Como funciona a alma de um homem mau? O que o caracteriza? Segundo a passagem que estamos examinado, este homem é profundamente individualista. Julga que não tem nenhuma responsabilidade pela felicidade do seu semelhante. Tem como certo o fato de que não cabe a ele atentar para o bem estar da vida do seu irmão. Tudo o que lhe cabe fazer é viver. Cuidar do que é seu.

5. DEUS, NA SUA SANTIDADE, SEMPRE OUVE OS APELOS DA JUSTIÇA.
Agora, a informação espantosa. A voz do sangue. A voz do sangue clamando aos céus. O que a Bíblia quer dizer com isto? Obviamente, não se trata de ensinar que a alma esteja no sangue – que o sangue fale literalmente. Tudo o que a passagem quer nos ensinar é que a maldade praticada pelo homem, demanda da parte de Deus uma resposta. A vítima é apresentada como apelando ao céu. Note que não é a vítima que demanda por justiça. O que exige justiça é o fato. O sangue derramado. A vida que se foi.

Deus não pode ver a maldade praticada pelo homem contra o homem sem se irar. Sua santidade exige que ele revele seu desprazer. Ele não pode deixar de condenar aquele que vive uma vida diferente da vida que o próprio Deus vive. Não se trata de capricho. O texto não diz que ele está condenando o homem por motivo tolo. O homem é apresentado aqui como alguém que está praticando algo que inviabiliza a vida. E não apenas isto: está se comportando como fera. Destruindo o que Deus ama e tem em alta estima. Em suma, vivendo de modo diferente de Deus.

APLICAÇÃO

Quais as conseqüências práticas do que acabamos de ver para nossa vida?

1. ELIMINE O DOLO DE SUAS AÇÕES.

Não seja maquiavélico. Não maquine o mal. Não ludibrie as pessoas. Por que você está propondo este tipo de coisa para esta pessoa? O que você tenciona no fundo com esta conversa, este convite, esta aproximação? Quem você está querendo destruir?

Que todo seu movimento na direção do próximo seja no sentido de promover a vida deste, e não, egoisticamente, exaltar a sua. Caim levou Abel para o campo a fim de destruir a vida do seu irmão. Para onde você está levando esta pessoa do seu relacionamento? O que você quer com ela? Quem você está usando? Quem você está enganando? Deixe de ser malvado! Aprenda a se relacionar com as pessoas para a glória de Deus. Que quem cruzar o seu caminho volte para casa se sentindo melhor. Seja ovelha. Que as pessoas não tenham medo de você. Que você não seja uma coisa lisa, perigosa, traiçoeira. Que ninguém esteja vivendo pior por causa de você.

2. DÊ NOME A FORMA COMO VOCÊ ESTÁ SE RELACIONADO COM O PRÓXIMO.

Que nome dar ao tipo de objetivo de suas relações com o próximo? O que você tem feito pode ser chamado do quê? Mentira, inveja, ódio, traição, leviandade, homicídio? O que você está matando na vida do seu semelhante? Seu nome? Sua auto-estima? Sua saúde? Sua alegria de viver? Sua felicidade está sendo construída às custas da desgraça do seu semelhante?

Quem é você? Mentiroso, fraudulento, preguiçoso, encostado, traidor, ladrão, amargurado? O que você espera alcançar através deste plano de ser feliz passando por cima de um monte de gente?

3. VEJA O PRÓXIMO PELA PERSPECTIVA CORRETA.

Você sabe quem é aquele que tem sido menosprezado, usado e destruído por você? Qual o seu conceito sobre o homem? Ele é o seu irmão? Você por acaso pensa que a dor do seu estômago é diferente da dele? Você pensa que para ele, perder um filho, é mais fácil do que o é para você? Insensível. Quem lhe disse que você é a alma mais nobre que existe, a criatura mais sensível do planeta, e que o seu semelhante não sente o que você sente?

Você é daqueles que diz que quanto mais conhece os homens mais ama o seu cão? Quem lhe disse que você não faz parte desta raça, que no seu caso é diferente, pois você é bom e não precisa de salvação? O que o impede de usar a mesma misericórdia e paciência de que você carece?

Você acha que a solução para a violência no nosso país é a bala? Você quer que bombas sejam jogadas nas comunidades pobres? Você quer ver "descer fogo do céu"? O que o faz desejar mais a destruição dos malfeitores do que a prevenção do crime? Por que você não luta com o mesmo ardor para que políticas públicas sejam implementadas em áreas pobres, a fim de que situações de conflito não se estabeleçam? A miséria jamais justificará o crime. Mas, seres humanos bem alimentados, vivendo em condições dignas e que passaram pela escola, tendem a lidar melhor com o seu semelhante. Por que não se mata tanto em Paris, Londres e Santiago do Chile? Você vibra com o assassinato de um homem? Olha amigo, mesmo nos casos em que quem morreu mereceu, porque se insurgiu contra a autoridade constituída por Deus e atentou contra a vida do próximo, penso que a satisfação do nosso senso de justiça deveria vir acompanhada do pesar de ver uma obra prima destruída, uma vida que tomou o rumo que não deveria ter tomado. Que nessas horas você também diga, e com espanto: “ali estaria eu, se Deus não tivesse tido misericórdia de mim”.

4. ASSUMA SUA RESPONSABILIDADE PERANTE O SEU SEMELHANTE.

Você e eu somos responsáveis pelo nosso próximo. Deus,está perguntado: “Onde está Abel, teu irmão?”. Onde estão os três mil cidadãos fluminenses que desapareceram no ano de 2007? Por que mais de 4000 foram assassinados? Como explicar os 42000 feridos? O que falar dos presos que vivem em condição subumanas?

Será que você está dizendo: “Não sei: por acaso sou eu tutor de meu irmão?”. Você se condena pelas suas próprias palavras. Se você o chama de irmão, já é responsável. Se você não o chama, sua condição é trágica. Você não o vê tal como Deus o vê. Você está cego. As trevas lhe cegaram os olhos. Se você o chama de “homem”, ou, “ser humano”, e ao mesmo tempo não se importa, você já se condenou também. O que você está dizendo é: “ali vai um de minha raça”. Se você sabe que ele é da sua raça, você também sabe o que ele sente. Você sabe o que deve significar ter um filho preso, estuprado e assassinado. Você sabe o que é ser caluniado, desprezado e perseguido.

Poucos textos da Bíblia mostram de modo tão claro o quanto Deus rechaça o liberalismo puro, o mercado regendo tudo, o darwinismo sendo aplicado à vida econômica e social, num contexto em que o Estado não é capaz de socorrer os que ficaram para trás na corrida. O cristianismo certamente não é contrário a meritocracia, a liberdade e o Estado ágil e democrático. O que o cristianismo condena é o modelo econômico e social que não ampara os necessitados, que nem sempre são os preguiçosos. A verdadeira religião, diz a Bíblia, é amparar os órfãos e as viúvas nas suas necessidades.

Fazendo uma aplicação prática à realidade que nos cerca: nós somos responsáveis pelo que está acontecendo no Brasil no campo da segurança pública. Não podemos ficar calados, especialmente quando nossa legislação nos dá o direito de falar. Um genocídio ocorre diante dos nossos olhos, e não o resistimos, nem nos comovemos.

5. TEMA A DEUS.

A voz do sangue clama. Pode ser que autoridades públicas e líderes religiosos não a ouçam. Mas, aquele que reina, tem todo o poder e mantém o nosso batimento cardíaco, ouve. A maldade que você pratica contra o seu semelhante não passa despercebida por Deus. O massacre de vidas humanas que hoje ocorre na nossa nação está patente aos olhos daquele que tudo vê.

Como Deus não haverá de nos julgar? Se o Brasil não se arrepender da sua maldade, Deus haverá de julgá-lo. Se a igreja não ouvir o que Deus ouve, Deus haverá de julgá-la também.

Surpreende-me o fato de não havermos passado por uma tragédia natural qualquer. Nossas iniqüidades são conhecidas do mundo inteiro, e seu odor tem chegado aos céus.

Não estabeleça nenhuma espécie de relação com ninguém que provoque a Deus. O sofrimento que esta pessoa tem passado por sua causa tem chegado aos ouvidos de Deus. Não destrua a obra de Deus. Não brinque com o que Deus ama.

CONCLUSÃO

Sei que todos nós nos sentimos confrontados por uma passagem como esta, que expõe o que somos e fazemos. O que fazer? Nos desesperarmos, a ponto de desistirmos de nós mesmos, assumindo nossa animalidade e incapacidade de nos transcendermos? Creio que não. Uma outra parte desta história é o sacrifício daquele amou, por isto se habilitou a salvar mediante sua morte aqueles que desaprenderam a amar.

A primeira decisão a tomar é correr para Cristo em busca de perdão, confessando nossa participação no pecado de Caim. Cristo veio justamente para salvar os que não sabem o que fazer de suas próprias vidas, por se sentirem partícipes de toda esta história de maldade, que tem marcado de modo tão claro, a trajetória da raça humana na face da terra.

Saiba, contudo, que ele não quer apenas perdoar você, mas transformá-lo também. Peça a ele que o livre da sua participação na natureza de Caim. Todo aquele que vem a Cristo, de modo algum ele o lançará fora. É na presença dele, como um doente na presença de um médico, que você será curado da incapacidade de nossa raça de amar e considerar o próximo irmão, em razão dessa nossa origem comum.

Antônio Carlos Costa
Igreja Presbiteriana da Barra

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