O CHAMADO DIVINO PARA A VERDADEIRA UNIDADE DA IGREJA
Confesso, contudo, que hoje me sinto decepcionado com o que está acontecendo em todas as denominações evangélicas de nossa nação. A começar pela minha denominação e pelos seguidores da tradição teológica que abracei. Quando olhamos para o passado, nos lembramos de homens tais como João Calvino, Francis Turrentin, Jonathan Edwards, Thomas Watson, Richard Sibbes, Thomas Goodwin, B. B. Warfield, Charles Hodge, Martyn Lloyd-Jones. Enfim, uma nuvem de testemunhas. Homens que edificaram nações, lutaram pela democracia, investiram em ciência, promoveram as artes, fundaram universidades e espalharam o evangelho pelo mundo inteiro. A minha pergunta é: o que faz com que seguidores de um passado tão extraordinário não manifestem no presente a beleza da vida dos seus predecessores? E quando olho para as demais igrejas meu estado de estupefação é total. Sinto-me atônito. O que houve conosco? Nosso povo não conhece sua própria fé. Por exemplo, nossa gente não sabe encontrar a doutrina da Trindade na Bíblia. Há milhares de pessoas no nosso meio que não conseguem definir a doutrina da justificação pela fé somente, que, segundo Martinho Lutero, é o "artigo de fé mediante o qual uma igreja permanece de pé ou cai". Nosso povo é mais católico, espírita e muçulmano do que imagina. Somos uma igreja que está em busca de cultos agradáveis e que por isso não gosta de ser perturbada pelos sermões de seus pastores; um povo que freqüenta ansiosamente "reuniões de libertação", porém não gosta de Escola Dominical; uma igreja que vive em busca de experiências desprovidas do conteúdo da verdade.
Sou protestante. Faço parte de um movimento, iniciado no século XVI, que ansiava por uma igreja pura. Hoje esse espírito protestante foi banido do nosso meio. O que é lamentável, pois graças à Reforma a mensagem do evangelho foi preservada. Se Lutero, em nome do amor, tivesse permanecido em silêncio, continuaríamos rezando por parentes no purgatório, cultuando os santos, suando para ganharmos o amor de Deus e com nossas consciências nas mãos de um Papa. Vivemos numa era que não crê mais em verdades absolutas, farta dos exageros da inquisição e que tem como único princípio absoluto de vida a tolerância. E isso num contexto em que o nosso povo, desprovido de conhecimento teológico elementar, julga que pelo fato de uma igreja se dizer cristã ali o evangelho está sendo pregado. De fato, sinto que se ficar calado deixarei a história de amor mais linda e a verdade mais libertadora serem desfiguradas, levando os de minha geração a não conhecerem a beleza do evangelho do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. O evangelho emancipa a vida, faz o homem estudar, investir naquilo que o distingue dos animais irracionais, seu intelecto. Permite que seu coração seja tangido pela verdade que sua mente assimilou. E tudo isso levando-o à prática concreta da verdade. O evangelho na nossa nação não tem produzido as transformações sociais que sempre acompanharam, ainda que de modo indireto, as sociedades que foram atingidas pelo testemunho cristão protestante. Nossa presença nos campos missionários é insignificante. E 160 milhões de brasileiros permanecem do lado de fora da igreja, chocados com o que evangélicos têm feito em nome de Deus na nossa pátria. As pedras estão clamando. Às vezes vejo jornalistas não-crentes atacando pecados da igreja que deveriam deixar todos nós indignados também. Como em época de eleição um ministro interrompe um culto dirigido ao Deus Santo para anunciar a presença de um candidato no púlpito da igreja, passando-lhe em seguida a palavra?
O duro é que nós, pregadores, temos que fazer um corte na espiritualidade evangélica que exige grande habilidade e presença de amor cristão. Confesso que me sinto cheio de temor de entristecer a Deus, por um lado, por não falar e, por outro lado, por falar demais. Isso porque detecto a presença de três tipos de problemas teológicos em nossas igrejas. Primeiro, há aquilo que poderíamos chamar de indiferente. Certas noções teológicas ou comportamentos espirituais que não têm grandes conseqüências práticas para a vida da igreja. Como o tipo de batismo, por exemplo. Sem dúvida isso é mais fácil de discernir. Porém, em segundo lugar, existe o que poderíamos intitular de enfraquecedor. Doutrinas, tradições e conceitos de vida cristã que minam a vida espiritual da igreja e tornam o cristianismo feio. É aí que se encontra um dos principais problemas. Pois, nessa área para muitos cinzenta, encontram-se certos vírus difíceis de serem detectados, que não são mortais, mas são debilitadores. Não vejo outra alternativa, senão, sobre eles falar com brandura, mas, na minha própria igreja, usando da mesma forma de amor, pregar de modo explícito e até mesmo com veemência, pedindo que certas condutas e ensinamentos não entrem de forma alguma na nossa congregação, que hoje luta para ser reformada, pois acredito de todo o coração que "o calvinismo é o cristianismo que se achou" e "o estágio mais alto da evolução teológica da igreja". Incluo nessas práticas debilitadoras (a lista é interminável) as seguintes coisas:
Movimento G12. Não sou contra a igreja em células. Sou contra, depois de dois mil anos de história do cristianismo, pessoas forçarem igrejas a adotarem uma estrutura eclesiástica que não é absoluta, pois não tem a chancela do Novo Testamento. Sou contra colocar nas mão de leigos o ensino da igreja. Sou contra o que acontece nos retiros do G12 (sei que não é o que ocorre em todos os casos, mas às vezes vem dentro do pacote), nos quais pessoas são submetidas a práticas para as quais não há base bíblica alguma. A quebra de maldição é uma delas. Além de não ter sustentação bíblica, vai de encontro à razão, na medida em que faz com que problemas emocionais graves sejam tratados na base de passe de mágica. Cura interior é algo que se alcança mediante o conhecimento da verdade. O cristianismo desconhece libertação que não seja pela verdade. Maior probabilidade tem de viver uma vida emocional estável quem participa de reuniões de estudo bíblico do que quem vive atrás de experiências místicas de libertação. Os casos de pessoas que apresentaram melhora não servem. Nós, cristãos, não fazemos teologia em cima de experiência, mas da Bíblia. Caso contrário, não teríamos nada a dizer às seitas, cujos membros costumam apresentar relatos de experiências agradabilíssimas.
A aversão ao estudo da teologia. Para mim é triste ver pessoas que sabem mais sobre G12 do que sobre a Trindade. Conhecem melhor quebra de maldição do que a doutrina da regeneração. A igreja não passa do púlpito. Púlpito fraco, igreja fraca. O cristianismo é uma religião doutrinária. Para a fé cristã, em primeiro lugar vem o intelecto. A mente é esclarecida e depois o coração é tocado pela verdade. É uma glória quando a igreja é composta por crentes eruditos e ungidos.
E, por fim, em terceiro lugar, há ensinamentos que são letais. O liberalismo teológico é o principal deles. Basta dar uma olhada no estado das igrejas européias para nos certificarmos dos efeitos deletérios dessa heresia. O trabalho da igreja universal é outro que precisa ser denunciado como letal. Se crentes fiéis não erguerem a voz, os 160 milhões de brasileiros que não conhecem a Cristo continuarão do lado de fora da igreja. Se nós, evangélicos, continuarmos a chamar a igreja universal de CTI evangélico, a confusão se estabelecerá na mente do nosso povo e a morte do cristianismo na nossa terra será certa. Temo que o Espírito Santo se aparte de uma nação que tolera tamanha afronta aos céus.
Não incluiria a atual linha de espiritualidade vigente no Brasil in totum nesse meio. Esse modelo de vida cristã tem representado um resgate da obra do Espírito Santo, uma renovação na dependência de Deus em oração, um ataque ao ministério de um só homem e uma reação ao formalismo das igrejas históricas que parecem ter medo de avivamento. Mas já chegou a hora de se dizer que o a linha de espiritualidade predominante no Brasil é fraca teologicamente e apregoa uma espiritualidade infantil, legalista e que não desenvolve o ser humano por completo. A maior prova disso é a diferença entre a evangelização dessas igrejas em nosso país e a evangelização calvinista no passado. A diferença é tão gritante, que dificilmente um conhecedor da história do cristianismo conseguirá deixar de expressar ponto de vista análogo ao meu.
Os problemas intramuros que enfrentamos devem deixar tristes a todos nós. Quisera que não tivéssemos tantas divisões e que não precisássemos atacar doutrinas de outras igrejas. Mas não podemos! Vivemos em um mundo caído. Nada é fácil de administrar nesse presente estado de coisas. A igreja não está imune a isso. O Senhor Jesus alertou a todos nós que o inimigo haveria de semear joio no meio do trigo. Por isso, parte da mensagem da igreja será negativa. Denunciar o erro ao mesmo tempo em que se faz um anúncio positivo da verdade. Há também posturas infantis que não podem ser toleradas. Não podemos permitir que a vida da igreja seja dirigida pelos desejos daqueles que se encontram numa espécie de infância espiritual. Criança gosta de movimento, detesta disciplina, não se agrada de estudo e gosta de ser mimada. Se deixarmos, nossos cultos virarão meros momentos de entretenimento, sem nenhuma transcendência. Só espetáculo. Nada de instrução. Muita dança e pouca Bíblia. Usam como argumento que Davi dançava. Davi fazia outras coisas também, mas que têm seu lugar e contexto apropriado para serem feitas na presença de Deus. Culto requer reverência e quietude. Deve ser feito nos termos estabelecidos pelo próprio Deus. Deus revela na Sua Palavra como quer ser adorado. A igreja não é livre para escolher como quer cultuar. Essa deve sujeitar-se às Escrituras Sagradas. E não devemos nos esquecer do senso comum. Há coisas que devemos fazer porque são racionais. No calor insuportável do Rio de Janeiro, pessoas têm sido levadas à exaustão ao participarem de cultos intermináveis, que não preparam a mente para o ponto mais elevado da liturgia cristã, que é a pregação da Palavra acompanhada da resposta obediente do povo eleito de Deus em oração.
Concluindo, penso que é importante enfatizar a todos os seguintes desafios da hora presente:
O desafio de lutarmos pela unidade da igreja, não permitindo que doutrinas secundárias nos dividam. Há uma hierarquia de verdades nas Sagradas Escrituras. Todas as doutrinas bíblicas são importantes, mas nem todas têm igual valor. Não podemos nos separar por causa de diferenças secundárias.
O desafio de amorosamente mostrarmos, à luz das Escrituras, o erro doutrinário que não mata, porém enfraquece a igreja. Certas práticas não condenam completamente certas igrejas, a ponto de, por motivo de consciência, termos que rejeitar a comunhão com elas. São comportamentos e noções, contudo, empobrecedores da experiência cristã. É neste ponto que muita gente pode ficar magoada, porém não podemos nos calar. Muito embora admita uma escala de valor doutrinário, não penso que devemos nos calar quando o menor erro teológico é ensinado pela igreja.
O desafio de lutarmos pela divisão da igreja. Sei que antes de falarmos em divisão temos que falar em unidade. O que fazer, entretanto, com os grupos que já foram admoestados, não se comunicam com nenhum outro setor da igreja evangélica do país e continuam a ensinar o erro que é letal para a vida dos seres humanos, fazendo tropeçar milhares de brasileiros que pensam que igreja que não é católica no Brasil é evangélica? Há uma diferença grande entre cisão e divisão. A cisão é sempre pecaminosa, pois representa verdadeiros crentes se dividindo sem motivo doutrinário ou ético que justifique a quebra da comunhão. Já a divisão nem sempre representa o esquartejamento do corpo, mas a decisão de se retirar uma célula cancerígena.
Uma igreja que louva a Deus pela reforma protestante e que ao mesmo tempo tolera no seu seio os erros doutrinários e pecados que os reformadores condenaram é no mínimo inconsistente, para não dizer covarde. Vamos deixar tudo nas mãos de Deus? Lutero deixou tudo irresponsavelmente a cargo da vontade de Deus? Se ele tivesse pensado assim, hoje não gozaríamos da liberdade em Cristo de que gozamos. Sabemos que a igreja jamais muda sem a intervenção divina e que nossos melhores esforços redundam em nada quando desprovidos da graça, sem a qual a igreja murcha. Quem pode, com base nessa verdade, no entanto, condenar o zelo que leva os verdadeiros crentes a lutarem com a ajuda dos céus pela pureza da igreja?
Que o Deus de amor nos ajude a, em nome do amor, mantermos a paz entre seus verdadeiros filhos, ainda que tenhamos que conviver com o que não nos agrada uns nos outros. O fato é que se temos muito o que tolerar nos outros, os outros têm muitos o que tolerar em nós. Por isso a regra da casa é a longanimidade. Rogo, no entanto, que o Deus da verdade nos ajude a lutarmos pelas verdades que custaram a vida de muitos irmãos reformadores no passado. Mesmo que esta luta implique perda de comunhão com pessoas que no minuto seguinte a nossa decisão de ficar ao lado da verdade haverão de nos perseguir e odiar.
Antonio Carlos Costa