CARTA QUE O RIO DE PAZ ENTREGOU AO COMANDO GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO RIO
Rio de Janeiro, 26 de maio de 2008.
Coronel Gilson Pitta Lopes
Comandante Geral da Polícia Militar
do Estado do Rio de Janeiro
Senhor Comandante Geral,
O Rio de Paz, entidade sem fins lucrativos que vem buscando contribuir para a redução de homicídios no país, vem à presença de Vossa Senhoria para expor e protestar acerca dos seguintes fatos, que são do seu conhecimento.
No último dia 18 de maio, o jovem Willian de Souza Marins, de 19 anos, foi vítima de homicídio doloso cometido por policiais do Grupamento Ações Táticas (GAT) do 14º BPM, de Bangu.
O crime ocorreu em uma localidade próxima à casa em que vivia com seus pais e irmão, em uma área de moradias populares conhecida como Favela do 48, em Bangu.
Supostamente confundido com um criminoso em fuga, ele foi executado a sangue-frio por agentes do poder público fardados encarregados de fazer cumprir a lei e de proteger a sociedade.
A família do rapaz - revoltada e desesperada - afirma ter à disposição da Justiça testemunhas que relataram ter visto Willian ser baleado na perna, ficar sentado ao chão por minutos, falando aos policiais, e a seguir ser executado sem piedade por esses integrantes do 14º BPM. Essas mesmas testemunhas ouviram os PMs interrogarem violentamente o rapaz que, baleado e caído, durante todo o tempo negou qualquer ligação com o tráfico de drogas. Os policiais não aceitaram suas explicações ou os pedidos de misericórdia.
Em alguns minutos o jovem foi detido, julgado e condenado à morte por um pelotão de fuzilamento da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que a sociedade mantém para protegê-la garantindo o cumprimento da lei. Contrariando todos os princípios constitucionais que regem o país, e o ordenamento internacional referente à dignidade da pessoa humana, aos quais todas as instituições do Estado estão obrigadas.
Os policiais do 14º BPM que praticaram esse homicídio tentaram legitimá-lo através do muito conhecido ardil de incriminar a vítima, colocando em suas mãos armas e drogas que já levam consigo, com esse e com outros propósitos. Estudos e relatos da mídia e de familiares de vítimas têm revelado detalhes da repetição dessa patética fraude ao longo de décadas, levando o Brasil a responder pelo mais alto índice mundial de execuções sumárias por parte de suas Polícias. Quase todas tolerantemente impunes.
Em incursões em comunidades carentes o teatro se repete: todos são culpados e a lei inexiste. Os abusos e crimes são qualificados como autos de resistência. Ninguém acredita, sobretudo policiais e seus chefes superiores, que conhecem bem o que se passa. Estou certo de que o senhor também não acredita nesse tipo de farsa.
Por meio deste documento, quero testemunhar perante este Comando que, diferentemente do que alegaram os policiais militares em questão, como declararam na ocorrência registrada na 34ª DP de Bangu, nº 034-04833/2008, onde sua versão foi pacificamente aceita, Willian não tem e nunca teve qualquer envolvimento com o crime.
Sua idoneidade moral é atestada não apenas pela família, como pela vizinhança, por amigos e pastores evangélicos que conviviam com ele na Igreja Presbiteriana onde congregava. Ele era um jovem honesto, querido, religioso praticante, e que fazia parte de um grupo de música Gospel.
Diante dos inequívocos fatos acima expostos, o movimento Rio de Paz – que em sua luta pela mobilização da sociedade brasileira pela redução de homicídios, tem apoiando o trabalho sério das Polícias – vem solicitar de Vossa Senhoria, como o Comandante Geral da Polícia Militar, os seguintes pontos:
1) Agilidade e transparência na apuração dos fatos;
2) Garantia de preservação da integridade física e moral das testemunhas dos fatos narrados acima, assim como de parentes e amigos da vítima;
3) Proteção contra ameaças e retaliações a moradores, religiosos e comerciantes da Favela do 48, em Bangu;
4) Determinação à Corregedoria da Polícia Militar e à Corregedoria-Geral Unificada de trabalho de investigação isenta e técnica, que resulte em rápida elucidação do homicídio, para que os responsáveis sejam afastados das ruas e entregues à Justiça criminal.
Acreditamos, sinceramente, que as providências acima vão permitir que seja feita justiça; para que seja demonstrado e preservado o comando hierárquico iniciado na Constituição em vigor; para salvaguardar a honra dos profissionais que formam a corporação Polícia Militar do Estado do Rio.
Uma instituição com 199 anos de história, criada para proteger toda a sociedade, não pode se render à vergonha imposta por alguns - à força, dentro e fora da corporação.
Coronel Pita, em sua honrosa carreira – tal como na minha – não é a primeira vez, e, desgraçadamente, não será a última vez que vemos fatos revoltantes como esses repetidos e repetidos.
Eu e Vossa Senhoria não conseguiríamos mudar o mundo. Mas temos um trabalho público a realizar, e esse trabalho inclui repudiar o injusto, exigir liberdade de consciência e arbítrio para fazer opções e lutar pela prevalência da lei.
Em razão desses compromissos inerentes às nossas funções, peço que se empenhe corajosamente por uma investigação profissional do bárbaro homicídio praticado por um de seus homens.
Antonio Carlos Costa
Presidente do Rio de Paz
Nenhum comentário:
Postar um comentário