Espero amanhã ter forças para falar sobre o enterro desse jovem crente que foi assassinado essa semana por policiais militares.
PMs acusados de execução
Cantor de banda evangélica morreu com três tiros quando seguia para apresentação em templo
Francisco Edson Alves
Rio - Em clima de revolta, pelo menos 200 pessoas acompanharam ontem de manhã, no Cemitério do Murundu, em Realengo, o enterro do cantor da banda gospel Orlit, Willian de Souza Marins, de 19 anos. Morador da Favela do 48, em Bangu, o rapaz foi morto por volta das 18h15 de domingo, na Rua Natal, na mesma localidade, durante suposta operação de uma equipe do Grupamento de Ações Táticas (GAT) do 14º BPM (Bangu). Willian tinha saído de uma LAN house e estava a caminho de uma igreja da Assembléia de Deus, onde se apresentaria. Segundo testemunhas, alguns dos cerca de 12 PMs começaram a atirar na direção do músico e, depois de ele ser baleado acidentalmente nas pernas, o teriam assassinado.
“Com medo do tiroteio, Willian correu e foi atingido nas pernas. Já sentado na calçada, ele implorou para que não o matassem, dizendo que era evangélico e morava na área. Mesmo assim, foi impiedosamente executado”, contou uma testemunha, durante o enterro.
No registro inicialmente feito na 35ª DP (Campo Grande) e depois transferido para a 34ª DP (Bangu), policiais do GAT alegaram que Willian estaria armado com fuzil e pistola e teria mochila com 158 trouxinhas de maconha, granada e certa quantia em dinheiro.
O comandante do 14º BPM, coronel Pedro Paulo da Silva, informou, através da assessoria de imprensa da PM, que o batalhão abriu investigação para apurar o caso. Os PMs — o número exato de policiais não foi informado — teriam ido à comunidade apurar solicitação do Disque-Denúncia para verificar tráfico de drogas e teriam sido recebidos a tiros por bandidos. Willian, ainda segundo a assessoria, teria sido atingido por “bala perdida”. Os policiais que participaram da incursão não foram presos administrativamente e continuam trabalhando normalmente.
INDIGNAÇÃO
A versão dos PMs revoltou amigos, parentes e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Movimento Rio de Paz. “Meu filho jamais se envolveu com coisas erradas. Só sabia cantar louvores a Deus por onde ia, tanto que seu apelido era Sabiá”, lamentou a mãe do jovem, Sandra de Souza Marins, 41.
“Willian, o caçula de meus três filhos, concluiu recentemente o segundo grau e tinha ido à LAN house para conferir se havia passado numa prova para aprendiz de marinheiro. O sonho dele era entrar para a Marinha ou ser bombeiro”, lamentou o motorista Jaldenir Mataruna Marins, 45.
Documento será levado ao governador
Integrantes da banda Orlit contaram que Willian estava feliz, pois o conjunto preparava o lançamento de seu primeiro CD. “A única arma que ele usava era uma guitarra e a munição, palavras de salvação”, disse Magno de Souza Barbosa, 19, um dos líderes da banda. “Estamos acompanhando de perto o caso e exigimos apuração rigorosa”, afirmou Evânia Pacheco Araújo, da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Willian foi enterrado com camisa branca com a inscrição “Eu sei que meu redentor vive”. “Não deixaria minha filha, de 15 anos, namorá-lo se ele não fosse um jovem íntegro, que tinha conduta exemplar em tudo que fazia”, comentou o guarda municipal Luiz Carlos Sampaio, 41, pai da namorada de Willian. “Estávamos juntos há um ano e fazíamos planos maravilhosos de casar e ter filhos. Willian dizia que, com a banda, não queria fazer sucesso, apenas levar a palavra de Deus”, contou a jovem.
Membros de diversas igrejas evangélicas, com apoio da ONG Rio de Paz, já recolheram mais de mil assinaturas para abaixo-assinado que será entregue ao governador Sérgio Cabral e à cúpula da Secretaria de Segurança, exigindo rigor nas investigações.
Pai do jovem Thiago Oazen, morto por policiais no último dia 28, em Jacarepaguá, Sérgio Oazen, 41, ficou indignado ao saber da morte de Willian. “Jovens inocentes continuam morrendo em ações desencadeadas por policiais despreparados e covardes”, lamentou ele.
CORPO FICOU DESAPARECIDO
Segundo parentes, a família só conseguiu localizar o corpo de Willian no Instituto Médico-Legal (IML) na segunda-feira à tarde. “Fomos informados de que ele tinha sido levado na mala de uma viatura para o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, onde já teria chegado morto. Até os documentos do meu filho desapareceram”, contou Jaldenir.
Segundo testemunhas, Willian foi morto com um tiro nas pernas, um no tórax, na altura do ombro direito, e outro na barriga. O delegado da 34ª DP, Gilberto Dias, disse que aguarda resultado dos laudos cadavérico e de balística das armas que teriam sido recolhidas dos PMs. Dias, porém, alegou dificuldades em achar testemunhas “que falem o que viram”.
“De repente, os próprios parentes (de Willian) poderiam localizar essas testemunhas, porque com a polícia ninguém fala”, sugeriu. “A segurança pública entrou em colapso”, criticou Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz.