A TORCIDA DO FLAMENGO ESTÁ MORRENDO

O hino do Flamengo foi cantado de modo diferente hoje de manhã. Nunca a sua torcida o entoou com tanta lágrima e sentimento de perplexidade associado à incompreensão e luto. Ouvi alguém do meu lado dizer chorando: “Oh! Ele amava o Flamengo”. Era o enterro do bancário Marcelo Vidal Leite Ribeiro, de 28 anos, assassinado por volta das 21h30m da última terça-feira, no Andaraí, quando ia jogar futebol com os seus amigos de infância. Esses mesmos amigos trataram de homenageá-lo no seu enterro, entoando o hino do seu clube de coração. Agora, na decisão da final do Campeonato Carioca de 2008, a torcida do Flamengo não terá o Marcelo torcendo na arquibancada.

Perde a torcida do Flamengo, perde a torcida do Vasco, perde a torcida do Fluminense, perde a torcida do Botafogo. Perde o cidadão carioca, que vê estampada na morte obscena do Marcelo o valor que sua própria vida tem aos olhos de uma sociedade que perdeu de vista o conceito de santidade da vida humana. A onda de assassinatos que grassa na nossa cidade representa uma tragédia que atinge a todas às torcidas, tal como atingiu, por exemplo, a torcida do Botafogo, que no ano passado perdeu dois dos seus torcedores: os menininhos Bruno e João Hélio.

Quem mais perde? Acima de tudo os parentes. O esposo, a esposa, o filho, a filha, o irmão, a irmã, o pai e a mãe. Quem pode mensurar a dor de uma mãe numa hora como essa? Você é capaz de calcular a dor da mãe do Marcelo? Em meio às lágrimas de parentes e amigos, enquanto a cerimônia fúnebre prosseguia, tomei fôlego e procurei me aproximar dos parentes. Cheguei à mãe do Marcelo que estava ao lado do caixão. Inconsolável. Procurei me identificar e ela prontamente me recebeu, tratando logo em seguida de abrir o seu coração comigo. E o que passo a relatar, espero que cale de modo profundo no coração das nossas autoridades públicas, policiais, traficantes de drogas e armas e sociedade civil.

Dona Zely contou-me que o Marcelo foi o filho de uma espera de 18 anos. Durante todos aqueles anos ela lutou para ter um bebê. Marcelo nasceu e, 8 meses após, seu pai vinha a falecer, deixando para trás a esposa com o seu filho recém-nascido. Sendo assim, é bom que todos saibamos que a morte do Marcelo representou a perda do filho único de uma viúva. Pouco antes de fecharem o caixão pude ouvi-la dizer para o corpo inerte do filho o quanto ela o amava. E dele ela se despediu com um beijo.

Amigo, eu não quero parecer dramático. Não há descrição da dor proveniente da perda de um parente amado assassinado que possa fazer jus ao nível de tristeza de quem a experimentou. Peço que você entenda que a minha intenção deliberada é de fato tocar nas cordas do seu coração, na esperança de que você não apenas filosofe sobre o problema da segurança pública no Brasil, mas aja, pois se não oferecermos resistência ao absurdo das mortes por homicídio na nossa cidade, nossa geração entrará para a história como uma raça de covardes e desalmados. Homens e mulheres que testemunharam em silêncio um verdadeiro massacre de vidas humanas.

Antônio Carlos Costa
Presidente do Rio de Paz