Ontem, pela manhã, estive presente no enterro da menina Fabiana Santos Oliveira de 11 anos, morta no último sábado no complexo da Mangueira, vítima de bala perdida. O que passo a relatar jamais sairá da minha memória, como lembrança amarga de anos de irracionalidade, maldade, indiferença e dor.
Assim que cheguei ao Cemitério do Caju, pude observar o pranto de centenas de pessoas simples, e os gritos da avó, que implorava à neta para que esta saísse do caixão a fim de que ambas retornassem para casa: “Fabiana, sai daí" (falava em alta voz), "vamos voltar para casa, eu te amo”. A mãe, inconsolável, era amparada por dois parentes. Procurei me aproximar. Disse para ela que a Bíblia diz através dos lábios de Cristo que o reino dos céus é dos pequeninos. Ao que ela me respondeu: “Moço, tira a minha filha de lá, ela não nasceu para ficar ali. O que vou dizer para o irmão dela, de cinco anos, que está aguardando o retorno da irmã? Oh! Eu tinha um casal de filhos, agora só tenho um filho”.
A menina é enterrada. Volto, a fim de ir embora, e observo que estou caminhando ao lado do pai e do avô, o mesmo que havia presenciado a morte da neta e recebera um tiro no braço. Tratei de me identificar, dizendo, entre outras coisas, que havia realizado o protesto do último sábado na Praia de Copacabana, no qual penduramos num varal de 2km 6000 rosas, que representavam o número aproximado de homicídios no nosso estado em 2007. O avô e o pai da vítima recebem-me de modo muito gentil. Caminhamos lentamente. O avô resolve abrir o seu coração em meio as palavras de consolo que eu procurava lhe comunicar: “Eu vi a hora que ela foi atingida pela bala. Pedimos ajuda a alguém para levar minha neta para o hospital, mas os pneus do fusca que haveria de levá-la, foram furados à bala, por homens que não queriam que saíssemos do local. Mas, conseguimos ir para o hospital. No caminho minha neta dizia: “Vovô eu vou ficar bem?" "Fabiana", dizia o avô, "vamos orar o Pai Nosso”. Ao que ela prontamente obedeceu. Fizeram a oração. Logo após, a menina vinha a falecer.
Por duas vezes, enquanto caminhávamos na direção da saída do cemitério, o avô contou-me o que ocorrera poucas horas antes da morte da neta. Naquele mesmo dia, a Fabiana, ao ver o noticiário na televisão sobre o protesto das rosas, virou-se para a avó e disse: “Vovó, veja, botaram 6000 rosas na praia porque 6000 pessoas foram assassinadas”. A avó respondeu: “É Fabiana, nós estamos vivendo em um mundo muito mau”. O que a avó não sabia é que dentro de instantes, sua netinha de 11 anos, haveria de fazer parte desta estatística. Ao tomar conhecimento da morte da menina, a avó, na sua angústia, foi levada a dizer para seus familiares: “Oh! A minha netinha é a rosa 6001”.
Saí do cemitério, e com a permissão da família, voltei para a Praia de Copacabana para montar novamente um varal. Só que agora, com o propósito de o varal receber uma única rosa. Uma rosa que simbolizasse a vida que foi ceifada logo após brotar. A vida da Fabiana, que tal como a menina Alana, e os meninos Hugo e João Hélio, perdeu a vida de modo brutal, numa cidade que tem permitido que crianças não cheguem à vida adulta.
Por que estou contando esta história? Respondo francamente: para emocioná-lo. Apresento esse relato na esperança de que alguém se comova. Se não formos tocados no campo dos nossos sentimentos, os mais nobres e humanos de que somos capazes de experimentar, de modo algum vamos ter energia suficiente para acabar com estas mortes que têm desgraçado a vida de tantas famílias. No fundo, sabemos o que deve ser feito, mas parece que falta-nos como sociedade, compaixão, a fim de que ajamos de modo determinado para que mais vidas não sejam desarraigadas antes do tempo.
Antônio Carlos Costa
Rio de Paz