quarta-feira, 28 de março de 2007

OS PROTESTOS FÚNEBRES DO RIO DE JANEIRO

Recentemente realizamos na praia de Copacabana um ato público referente ao índice obsceno de homicídios da nossa cidade. Nossa idéia foi tornar o nosso cartão-postal principal feio, a fim de chamarmos a atenção de uma população letárgica para algo muito mais feio – o assassinato em massa de nossos conterrâneos. Setecentos assassinatos em dois meses e meio é demais. Tudo o que queremos é ajudar a população carioca a mensurar o quadro de barbárie que se estabeleceu no nosso estado – se todos os que já foram assassinados em 2007 fossem enterrados no mesmo lugar – como seria esse cemitério? Turistas estrangeiros ficaram chocados, cariocas que passavam pelo calçadão de Copacabana choraram e tantos outros tomaram a decisão de fazer algo pela cidade.

Certamente, um turista americano, hospedado no Copacabana Palace (que por sinal teve um comportamento impecável, em nada interferindo no nosso manifesto), ao abrir as janelas do seu quarto, não se deparou com um cenário que se lhe configurou como agradável. Sei, contudo, que certamente ele pôde compreender o que estava sendo feito ao tomar conhecimento dos motivos. Eu o imagino dizendo: “por que não foi feito antes?”. É assim que os americanos sempre fizeram na sua nação. Foi desse modo que protestaram no período da guerra do Vietnam; na luta pelos direitos civis dos negros na década de sessenta mediante o trabalho do pastor batista Martin Luther King; e mais recentemente no episódio da prisão de afegãos em Guantânamo, com todos diante da Casa Branca vestidos de macacões laranja. Talvez, esse turista imaginário, deva ter comentado ao chegar ao seu país, que o carioca não apenas se reúne para sambar, mas para clamar por justiça e paz também – que a nossa alegria não é a alegria dos desalmados, alienados e descerebrados.

O terror está implantado no Rio de Janeiro. Ninguém precisa mais dizer para o carioca que sua tão estimada cidade se tornou um lugar perigoso para viver. Muitos não saem mais à noite. Carros estão sendo blindados. Ninguém sente-se mais confortável ao ver dois rapazes numa moto pararem ao lado do seu carro no sinal de trânsito. Nossos prédios viraram bunkers. Eu mesmo, não tenho mais coragem de ir ao Maracanã com meus filhos para ver meu Botafogo jogar.

O que ocorreu em Copacabana está muito longe de ser um alarme irresponsável. Nenhuma manifestação por mais funérea que seja seria capaz de traduzir a sangrenta realidade que se vive hoje no Rio. O carioca já sabe que vive no inferno. O que aconteceu de fato foi a tentativa de sensibilizar um povo que não se dá conta de que a resposta para o problema da criminalidade está nele mesmo – o crime no Rio de Janeiro não resistiria um milhão de pessoas nas ruas todo dia. A barbárie não suportaria uma sociedade organizada ao lado do poder público no combate ao desrespeito àquilo que se constitui na razão de ser da organização de um Estado – o direito à vida.

Os protestos têm assumido esta aparência lúgubre deliberadamente. Não é protesto à brasileira, com gente sambando, sorrindo e se promovendo. Não é hora de cantar e sambar. É hora de chorar. Cariocas estão ficando com os cabelos grisalhos antes do tempo por terem que enterrar seus parentes amados todos os dias – cruelmente assassinados por homens que fazem parte de uma geração que entrará para a história da cidade como a mais malvada de todas as que já passaram pela nossa terra. O protesto na Cinelândia seguiu a mesma linha do de Copacabana: Luto pelo Rio. Tristeza e engajamento. Perplexidade e esperança. Velas acesas e camisas pretas. Um turista espanhol haveria de ver a semelhança entre o que fizemos e o que eles mesmos fizeram recentemente em Madri após um atentado do ETA, pois nos inspiramos neles.

O que fazemos é o grito angustiado de homens e mulheres que vivem uma vida que por si só já é difícil para todo ser humano e que se tornou insuportável na cidade do Rio de Janeiro por causa do crime. Estamos ansiosos por ver tudo dar certo. Na nossa angústia sonhamos em poder divisar nossa geração vencendo a batalha da vida contra a morte. E, nesse sonho comum, é fato que todos temos pontos de vista diferentes quanto ao que deve ser feito. O que não pode acontecer é na hora de lidarmos com as nossas diferenças, usarmos uma espécie de tratamento que é reflexo desse colapso das relações humanas que experimentamos na nossa cidade. Podemos discordar de forma gentil. E, não apenas isto, sairmos juntos em busca de uma participação inteligente e apaixonada.

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz

2 comentários:

  1. Perfeitamente, Pastor. Concordo com cada vírgula do texto. Estive em um dos protestos. Estarei nos seguintes.

    Leandro Ribeiro

    ResponderExcluir
  2. Creio que por conta do sal estar dentro dos saleiros, tal situação de terror se instalou na nossa querida cidade. Ações como estas certamente redundarão em mudanças. Apoiado e conte com nossas orações.
    Élmiton Nobre

    ResponderExcluir