PODE O CRISTÃO LUTAR AO LADO DO NÃO-CRISTÃO?
A igreja costuma ver a sociedade em termos de – o povo de Deus e o mundo. Essa é uma diferenciação necessária. Existem, de uma certa forma, duas humanidades. O cristianismo faz uma clara divisão entre os seres humanos, baseada na relação que estes mantêm com o seu Criador. Há pessoas que não levam a Deus em consideração. Não o amam. Seus atos não visam à glória de Deus, suas mentes não se dedicam ao conhecimento de Deus, seus afetos não estão fixados em Deus, e, por isso, encontram-se mortas em seus pecados.
A fé cristã ensina com muita clareza que há um povo de propriedade exclusiva de Deus – sua igreja – a comunidade daqueles que se reconciliaram com Deus através de Cristo. O que caracteriza de modo especial essa gente é a experiência da salvação recebida gratuitamente pela fé em Cristo e a poderosa transformação de vida operada pelo Espírito Santo, mediante a qual o amor de Deus é implantado no coração dos que acolheram essa redenção.
Essas duas sociedades recebem tratamentos diferentes da parte de Deus. No seu imenso amor Ele ama a ambas, mas sorri apenas para uma. Todas suas criaturas estão sob seu amor benevolente (aquele aspecto do seu amor que o leva a tratar a todos com bondade, independentemente de sua condição moral e espiritual), mas nem todos são objetos do seu amor complacente (o amor que vem acompanhado de deleite, pelo fato do seu objeto ser possuidor de excelência). O destino dessas duas sociedades haverá de ser totalmente oposto. O cristianismo apregoa que uma separação final e definitiva ocorrerá. Os justos serão separados dos injustos. As portas do Reino se abrirão de par em par para todos aqueles que anelam por viver numa sociedade governada pela vontade amorosa e santa de Deus. De igual modo, Deus não puxará ninguém para o céu arrastando-o pelas orelhas.
Essa divisão, portanto, é boa, verdadeira e justa. É a afirmação de que há um governo moral no universo. A assunção de que para Deus há uma diferença entre ser um Adolf Hitler e ser um Francisco de Assis. Essa crença é capaz de mobilizar o povo de Deus para a dedicação ao prioritário trabalho de evangelização, pois o maior desejo de quem compreendeu de fato essa verdade é o de ver cada vez mais cidadãos da cidade dos homens fazerem parte da cidade de Deus. Não ter a cidadania celeste é a maior desventura que um ser humano pode experimentar em sua vida. Possuí-la, a maior alegria, privilégio e segurança.
O problema relativo a essa divisão que a igreja faz entre – igreja e mundo – é a falta de entendimento por parte de muitos, quanto à forma como cristãos devem se relacionar com não cristãos num Estado laico e pluralista. Esse é um fato da vida de todos os cristãos – vivemos em sociedades que não se encontram sob uma espécie de Estado teocrático cristão e nas quais temos que conviver com pessoas que possuem pontos de vista referentes à vida diferentes (num grau menor ou maior) da maneira cristã de enxergar as coisas.
Um risco que a igreja corre é o da acomodação. Permitir que o consenso esmagador determine o modo de vida dos seus membros e silenciar-se quando a maioria quer o que representa uma afronta a Deus e a dignidade humana. Um exemplo do primeiro é a aquiescência da igreja ao consumismo desenfreado, agora legitimado por uma teologia que o respalda. Um exemplo do segundo, podemos encontrar na atitude dos crentes alemães na Segunda Grande Guerra (sabemos que não todos) que anuíram ao ideário nazista (qual seria a nossa anuência ao mal nos dias de hoje?).
Outro risco grave é falta de uma interação da igreja com o restante da sociedade no combate aos males sociais que afligem a todos. Percebe-se uma atitude anti-séptica por parte de igreja quando se trata de se juntar a um não-crente visando a obtenção de uma conquista social qualquer. A igreja confunde muitas vezes co-beligerância com ecumenismo. A Bíblia aprova o primeiro e condena o segundo. Este é sempre danoso e irracional. Leva a igreja a menosprezar o que Cristo fez na cruz, ao dizer que o homem pode chegar ao céu pelos seus próprios méritos. Falando a partir do ponto de vista intelectual, um absurdo, pois duas religiões que ensinam coisas diametralmente opostas podem ambas estar erradas, mas jamais certas ao mesmo tempo. Já o princípio da co-beligerância é bíblico, pois trata-se de cristãos se unindo a não-cristãos na luta por uma causa que lhes é comun (um exemplo disso é a interação do apóstolo Paulo com não-crentes no naufrágio relatado por Lucas em Atos capítulo 27 em diante). Ora, há um mundo de coisas que queremos e reivindicamos que não-crentes querem e reivindicam também. Não estamos lidando com marcianos (embora admitamos a diferença entre cristãos e não-cristãos ), mas com pessoas que foram criadas à imagem e semelhança de Deus. O necessário combate travado contra o nazismo na Segunda Grande Guerra, por exemplo, levou para a trincheira crentes e não crentes, que lado a lado enfrentaram um inimigo que lhes era comum.
A igreja deveria estar na vanguarda das lutas sociais em nosso país. Aliás, essa é uma das suas missões, pois será que há outro povo na Terra mais apto a conhecer as intenções de Deus? será que há alguém que deveria se indignar mais do que o crente quando a vida humana é vista como espoliada daquilo que lhe é fundamental para a preservação?
Em muitas ocasiões, esse combate deve conduzir a igreja à união com pessoas que não professam sua fé a fim de enfrentar adversários que ameaçam a todos. Se faltasse água no prédio onde você mora, e um ateu juntamente com um espírita o procurassem para estar na assembléia do condomínio a fim de tratar da questão, você diria para eles – “vão embora, vocês não professam minha fé?”. Você acha que seria sensato um crente se trancar no quarto para tão somente orar pela questão?
Não há setor da sociedade mais pronto para se organizar a fim de combater o desrespeito aos direitos humanos no nosso país do que a igreja. Estamos juntos todos os domingos e temos princípios de vida que dão uma razão de ser a luta em favor do respeito à dignidade humana. Poderíamos aproveitar essa facilidade de comunicação e valores em comum, para nos organizarmos, e, em seguida, organizarmos uma fração mais ampla da sociedade como um todo, visando trazer mais justiça e paz ao nosso País. A onda de assassinatos nas nossas cidades, por exemplo, está exigindo esse tipo de participação. Tudo o que espero é que as pedras não clamem no nosso lugar; que não venhamos a reboque dos que estão do lado de fora da igreja e que conseguiram,a despeito disso, enxergar as coisas melhor do que nós – que o mundo não fique sem entender como que um povo que diz conhecer a Deus, pode ser tão alienado, arrogante e insensível.
Antonio Carlos Costa
Pastor da Igreja Presbiteriana da Barra
Presidente do Rio de Paz
A fé cristã ensina com muita clareza que há um povo de propriedade exclusiva de Deus – sua igreja – a comunidade daqueles que se reconciliaram com Deus através de Cristo. O que caracteriza de modo especial essa gente é a experiência da salvação recebida gratuitamente pela fé em Cristo e a poderosa transformação de vida operada pelo Espírito Santo, mediante a qual o amor de Deus é implantado no coração dos que acolheram essa redenção.
Essas duas sociedades recebem tratamentos diferentes da parte de Deus. No seu imenso amor Ele ama a ambas, mas sorri apenas para uma. Todas suas criaturas estão sob seu amor benevolente (aquele aspecto do seu amor que o leva a tratar a todos com bondade, independentemente de sua condição moral e espiritual), mas nem todos são objetos do seu amor complacente (o amor que vem acompanhado de deleite, pelo fato do seu objeto ser possuidor de excelência). O destino dessas duas sociedades haverá de ser totalmente oposto. O cristianismo apregoa que uma separação final e definitiva ocorrerá. Os justos serão separados dos injustos. As portas do Reino se abrirão de par em par para todos aqueles que anelam por viver numa sociedade governada pela vontade amorosa e santa de Deus. De igual modo, Deus não puxará ninguém para o céu arrastando-o pelas orelhas.
Essa divisão, portanto, é boa, verdadeira e justa. É a afirmação de que há um governo moral no universo. A assunção de que para Deus há uma diferença entre ser um Adolf Hitler e ser um Francisco de Assis. Essa crença é capaz de mobilizar o povo de Deus para a dedicação ao prioritário trabalho de evangelização, pois o maior desejo de quem compreendeu de fato essa verdade é o de ver cada vez mais cidadãos da cidade dos homens fazerem parte da cidade de Deus. Não ter a cidadania celeste é a maior desventura que um ser humano pode experimentar em sua vida. Possuí-la, a maior alegria, privilégio e segurança.
O problema relativo a essa divisão que a igreja faz entre – igreja e mundo – é a falta de entendimento por parte de muitos, quanto à forma como cristãos devem se relacionar com não cristãos num Estado laico e pluralista. Esse é um fato da vida de todos os cristãos – vivemos em sociedades que não se encontram sob uma espécie de Estado teocrático cristão e nas quais temos que conviver com pessoas que possuem pontos de vista referentes à vida diferentes (num grau menor ou maior) da maneira cristã de enxergar as coisas.
Um risco que a igreja corre é o da acomodação. Permitir que o consenso esmagador determine o modo de vida dos seus membros e silenciar-se quando a maioria quer o que representa uma afronta a Deus e a dignidade humana. Um exemplo do primeiro é a aquiescência da igreja ao consumismo desenfreado, agora legitimado por uma teologia que o respalda. Um exemplo do segundo, podemos encontrar na atitude dos crentes alemães na Segunda Grande Guerra (sabemos que não todos) que anuíram ao ideário nazista (qual seria a nossa anuência ao mal nos dias de hoje?).
Outro risco grave é falta de uma interação da igreja com o restante da sociedade no combate aos males sociais que afligem a todos. Percebe-se uma atitude anti-séptica por parte de igreja quando se trata de se juntar a um não-crente visando a obtenção de uma conquista social qualquer. A igreja confunde muitas vezes co-beligerância com ecumenismo. A Bíblia aprova o primeiro e condena o segundo. Este é sempre danoso e irracional. Leva a igreja a menosprezar o que Cristo fez na cruz, ao dizer que o homem pode chegar ao céu pelos seus próprios méritos. Falando a partir do ponto de vista intelectual, um absurdo, pois duas religiões que ensinam coisas diametralmente opostas podem ambas estar erradas, mas jamais certas ao mesmo tempo. Já o princípio da co-beligerância é bíblico, pois trata-se de cristãos se unindo a não-cristãos na luta por uma causa que lhes é comun (um exemplo disso é a interação do apóstolo Paulo com não-crentes no naufrágio relatado por Lucas em Atos capítulo 27 em diante). Ora, há um mundo de coisas que queremos e reivindicamos que não-crentes querem e reivindicam também. Não estamos lidando com marcianos (embora admitamos a diferença entre cristãos e não-cristãos ), mas com pessoas que foram criadas à imagem e semelhança de Deus. O necessário combate travado contra o nazismo na Segunda Grande Guerra, por exemplo, levou para a trincheira crentes e não crentes, que lado a lado enfrentaram um inimigo que lhes era comum.
A igreja deveria estar na vanguarda das lutas sociais em nosso país. Aliás, essa é uma das suas missões, pois será que há outro povo na Terra mais apto a conhecer as intenções de Deus? será que há alguém que deveria se indignar mais do que o crente quando a vida humana é vista como espoliada daquilo que lhe é fundamental para a preservação?
Em muitas ocasiões, esse combate deve conduzir a igreja à união com pessoas que não professam sua fé a fim de enfrentar adversários que ameaçam a todos. Se faltasse água no prédio onde você mora, e um ateu juntamente com um espírita o procurassem para estar na assembléia do condomínio a fim de tratar da questão, você diria para eles – “vão embora, vocês não professam minha fé?”. Você acha que seria sensato um crente se trancar no quarto para tão somente orar pela questão?
Não há setor da sociedade mais pronto para se organizar a fim de combater o desrespeito aos direitos humanos no nosso país do que a igreja. Estamos juntos todos os domingos e temos princípios de vida que dão uma razão de ser a luta em favor do respeito à dignidade humana. Poderíamos aproveitar essa facilidade de comunicação e valores em comum, para nos organizarmos, e, em seguida, organizarmos uma fração mais ampla da sociedade como um todo, visando trazer mais justiça e paz ao nosso País. A onda de assassinatos nas nossas cidades, por exemplo, está exigindo esse tipo de participação. Tudo o que espero é que as pedras não clamem no nosso lugar; que não venhamos a reboque dos que estão do lado de fora da igreja e que conseguiram,a despeito disso, enxergar as coisas melhor do que nós – que o mundo não fique sem entender como que um povo que diz conhecer a Deus, pode ser tão alienado, arrogante e insensível.
Antonio Carlos Costa
Pastor da Igreja Presbiteriana da Barra
Presidente do Rio de Paz
prezado antônio,
ResponderExcluirgostaria de parabenizá-lo pelo trabalho na 'rio de paz' e dizer que vou participar de todas as atividades propostas. ademais, gostaria de sugerir um manifesto no largo do machado, onde a violência, assaltos e moradores de rua vêem se tornando cada vez mais rotineiros.
viva o rio de paz!
obrigada
Pastor Antonio,
ResponderExcluirÉ motivador e enche o nosso coração de esperança o desejo de se empenhar por uma sociedade mais justa, lutar pela vida humana!
Mas o que realmente enche os nossos corações de alegria é saber que estamos ouvindo a voz do nosso Pastor.
Ele ama as suas ovelhas por elas dá a sua vida e ninguem as arrebatará de suas mãos!
Que descanso! saber que estamos fazendo aquilo que o Pai ordena. Entendemos que quando somos chamados de ovelha que prefigura, fragilidade, falta de defesa, somos guiados pela voz do bom Pastor que mesmo diante da força de nossos algozes Ele é forte o suficiente para nos fazer descansar n'Ele.
A beleza desse Deus de amor nos chama para vivermos como seres humanos nessa terra de seres desumanizados pela falta de amor.
Que Deus, através de Jesus Cristo nosso eterno bom Pastor te guarde sempre amado pastor!
Conte sempre comigo!
Liane França
Caro pastor,
ResponderExcluirquero parabenizá-lo pelo lindo trabalho que está fazendo.Fico muito feliz em ser membro de uma igreja que honra pela vida humana, que anseia em salvá-la.
É muito bom ver as pessoas que conhecem a Palavra da Verdade se unindo a todo os tipos de crença, afim de lutar por um ideal, a diminuição da violência em nossa cidade.Afinal estamos no mesmo barco.
Espero que um dia isso acabe, que nós vivamos em um ambiente de paz.
Um grande abraço!
Caro Pr Antônio, na verdade, é até ocioso fazer algum comentário adicional à algo tão óbvil e cristalinamente expresso em suas palavras. Entretanto, creio que as palavras do Dr. Lloyd-Jones lançam ainda mais luz no facho já espesso deste holofote. "Não há maior força civilizadora na história da raça humana do que este evangelho pregado pela Igreja Primitiva. Ela começou com a Lei dos Pobres. A assistência as pobres foi iniciada pela Igreja Cristã séculos antes dos políticos sequer pensarem nisso, e a mesma coisa é verdade quanto à educação e ao serviço de saúde. O hospital mais antigo de Londres, o Hospital São Bartolomeu, foi fundado por um monge há mais de oitocentos anos. Todas as maiores e mais benéficas instituições vieram a existir por intermédio de cristãos. A religião cristã é isso" D.M.Lloyd-Jones, Cristianismo Autêntico, Vol 3, Pag 231,PES
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