terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

ARQUEOLOGIA E FÉ

Nessa última segunda, um cineasta americano de nome James Cameron apresentou artefatos que, segundo ele, podem ter vindo da tumba de Jesus. Nesta, haveria também os restos mortais de Maria Madalena e do filho deles, Judá (fonte: O Globo). Como se trata de algo que vai de encontro à essência da fé cristã, pois o cristianismo é uma religião estribada na história, especialmente alicerçada no fato da ressurreição de Cristo, penso que a tentativa de destruir a fé cristã, feita por este cineasta e sua equipe, demanda uma resposta. Permita-me expressar em poucas palavras o meu ponto de vista sobre o assunto.
A facilidade com que estes homens foram levados a crer é espantosa. Sim, porque há fé no que eles estão dizendo. Eles crêem em Cristo. Só que num Cristo que não venceu o maior inimigo da humanidade, que se chama morte. Eu mesmo, para me tornar cristão, tive que contar com uma sorte muito maior de evidências do que eles. Se os critérios que eles estão usando para descrer fossem usados por eles para, de um modo imparcial, avaliar os argumentos do cristianismo quanto a sua confiabilidade histórica, há muito estes homens teriam se tornado cristãos.
Ora, com base nos achados desta tumba eles chegaram a seguinte conclusão: os nomes que aparecem nos ossuários correspondem exatamente aos personagens históricos descritos na Bíblia. Este cineasta, num passo gigantesco de fé sem vínculo algum com a razão, afirma que há indícios de que ali encontram-se os ossos de Cristo, Maria, José, Maria Madalena e um certo Judá.
Ora, há formas diferentes de conhecimento que exigem metodologias diferentes de aferição da verdade. Uma espécie de verdade é a que conheço mediante uma análise feita num tubo de ensaio. Outra se relaciona ao que só pode ser conhecido mediante ao raciocínio puro - as chamadas verdades da metafísica. Uma categoria diferente de verdade é a de natureza histórica. Esta exige a presença de evidência histórica. Os fatos históricos devem estar bem atestados.
Bom, tudo o que precisamos saber quanto ao que foi dito é: como saber que os nomes (comuníssimos na cultura judaica dos dias de Jesus) correspondem aos nomes mencionados no Novo Testamento? Qual a evidência de que a família de Jesus, que morava no norte de Israel, na cidade de Nazaré, desceu para Jerusalém onde foi “achada” enterrada? Com base em que podemos negar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas oculares da morte e ressurreição de Cristo, conforme o relato dos documentos históricos do Novo Testamento? Como a história da ressurreição surgiu, se espalhou e levou suas testemunhas a darem a vida pela sua mensagem? Sabemos que pessoas podem dar a vida por uma mentira, por pensarem que não estão enganadas. Mas, dar a vida por uma mentira sabendo que é mentira? Eles diziam que tinham visto Cristo ressurgir dentre os mortos e tocado no seu corpo. Este é o tipo de coisa acerca da qual não dá para se enganar, especialmente quando se trata do testemunho de várias pessoas. Isto posto, pediria que você considerasse os seguintes pontos:
1. Todo aquele que com base na linha de argumentação desses homens crê que Jesus foi um personagem da história, e que seus ossos foram encontrados naquela tumba, será forçado por uma questão de honestidade intelectual, a considerar os argumentos cristãos quanto à historicidade de Cristo e da sua ressurreição. Estes homens estão crendo (ou descrendo) com base em dados que jamais seriam suficientes para levar uma pessoa inteligente à fé (ou à descrença). Eu jamais acreditaria em alguma coisa que viesse acompanhada de bases intelectuais tão frágeis.
2. Por que toda esta tentativa recente de desconstruir o cristianismo? Será que a natureza da sua mensagem não é a causa de tanto desejo de destruí-lo? Não se tem dado o tratamento que é dado a Cristo a outros personagens da história. Somente uma forte pressão inconsciente para nos fazer negar o que é ensinado pelo cristianismo. Reconheço que, para os de nossa raça, é difícil conviver com declarações do tipo: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”; “Vós que sois maus”; Dá a quem te pede”; “Amarás ao Senhor teu Deus de todo coração”; “Arrependei-vos”; “Reconcilia-te com teu irmão”; “Quem olhar para uma mulher com intenção impura no seu coração já adulterou com ela”. Certamente, se Cristo corroborasse nossas taras não seria tão irracionalmente atacado.
3. Destruir essa história de amor revelada pelo evangelho em nome de fama, dinheiro e liberdade para pecar é arrancar da vida aquilo que neste mundo de velhice, doença, dor, miséria e morte pode nos dar esperança.
Em todas as religiões o homem é levado a conduzir suas ofertas à divindade a fim de comprar o seu favor. Muitas vezes para negociar com o seu deus o homem chegou até mesmo ao ponto de sacrificar seu próprio filho. O cristianismo é a única religião na qual o ofertante não é o homem e sim o Criador. Um Deus que traz nos seus braços o corpo ensangüentado do seu Filho, a fim do homem poder se reconciliar com aquele contra quem pecou tão gravemente. Não há história de amor mais bela. A prova da sua origem divina é a sua excelência. Ela supera tudo o que os seres humanos têm falado em termos de religião. Se há um caminho que reconduz o ser humano ao seu Criador só pode ser esse, em razão da sua beleza.
Um ser malvado como o homem jamais conseguiria construir um conceito tão apaixonante de Deus. Sua culpa não permitiria crer num Deus que em vez de exigir o sangue do homem para satisfazer sua justiça, exigisse o sangue do Seu próprio Filho. Sua maldade não o conduziria a conceber um Ser moralmente tão belo e para cujo encanto moral não há paralelo nas relações humanas. Seu orgulho não o levaria a admitir que seus pecados não podem ser apagados pelo homem, e por isso exigiram preço tão alto a ser pago pelo próprio Deus. Em Cristo, Deus desvia sua ira do homem e a traz para si mesmo. Quem não vê beleza nessa mensagem, prova que está cego. Sua própria incapacidade de sentir deleite nesta declaração do amor Divino, testemunha da sua maldade: “Os limpos de coração verão a Deus”.
4. Os cristãos não crêem mediante um salto de fé cego. Sua fé está alicerçada na história. O que ocorreu há dois mil anos na Palestina foi registrado por testemunhas oculares, que pregavam contra a mentira, odiavam o engano e trouxeram ao mundo um sistema de valores morais excelente sob todos os aspectos. Essas mesmas testemunhas registraram o que viram e ouviram nas páginas de um conjunto de livros chamado de Novo Testamento. Leia-o. Seja coerente. Você não leu a reportagem que procura lançar nuvem de dúvida sobre tudo isso? Comece pelos evangelhos. Um dos seus autores diz: “Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram o que desde o princípio foram deles testemunhas oculares, e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído” (Evangelho de Lucas, capítulo primeiro, versículos de um a quatro).
Nós, que seguimos a Cristo e disto não nos envergonhamos, cremos não apenas por causa das evidências históricas irrefutáveis do cristianismo, mas devido à formosura do Deus cristão, cujo amor supera tudo aquilo que poderíamos haver concebido. Essa beleza, porém, está oculta a todo aquele cujo coração está imundo pela maldade do seu ser e dos seus atos. Embora ninguém se converta sem razões, ninguém se converte pela razão. Um coração inclinado para o mal é capaz de corromper todo julgamento racional. Não basta conhecer arqueologia para acreditar no Deus dos cristãos. Não há razão para a fé na vida daquele que em vez de estar interessado na verdade, está mais preocupado com a satisfação dos seus desejos egoístas. Este não precisa de um cérebro melhor, precisa de um melhor coração. Não carece tanto estudar arqueologia para ser levado à fé, mas sim conhecer o seu coração para se arrepender e crer. Isto pode acontecer mediante um encontro com Cristo, cujo corpo está à destra do Deus Todo-Poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos. Foi isso que Ele e seus amigos ensinaram.

ANTONIO CARLOS COSTA
PASTOR DA IGREJA PRESBITERIANA DA BARRA

sábado, 24 de fevereiro de 2007

RAZÕES PARA ENTRAR NO COMBATE

Pelo fato de perceber tanta gente apática, cética e indiferente quanto a tudo o que devemos fazer visando a defesa dos direitos humanos na nossa terra, com foco especial no problema da violência urbana, permita-me apresentar as razões pelas quais decidi fazer alguma coisa:
1. O quadro é excessivamente caótico. Não é que tenhamos alguns assassinatos que fazem parte do cotidiano de qualquer cidade grande. São milhares de homicídios. Uma patologia social grave. Por que matar pelas costas quem já deu o que tinha que dar para o assaltante? Por que torturar antes de matar? Por que jogar futebol com a cabeça do que foi assassinado (relato recente vivenciado por moradores de um bairro de São Gonçalo no Estado do Rio)? Por que amarrar o corpo da vítima à pneus e atear fogo (chamado forno microondas)? Até o dia de hoje, somente no mês de fevereiro, houve quase 200 homicídios no Estado do Rio de Janeiro. Nos últimos 10 anos tivemos 500.000 assassinatos no Brasil. Aproximadamente 570. 000 mandados de prisão expedidos pela justiça brasileira ainda não foram cumpridos.
2. Em termos de defesa dos direitos humanos e segurança pública estamos atrás de centenas de cidades de várias partes do mundo. Veja: não é que o homem não tem jeito e a vida é assim mesmo. O homem é cruel, reconheço. Organizar a sociedade é como organizar um hospício, já dizia o pensador francês Pascal. Contudo, em Paris, Nova York, Londres, Santiago do Chile, entre tantas outras cidades mais, não se vive como se vive no Rio. O alvo não é transformar nossa cidade num paraíso, mas numa lugar melhor. Outras alcançaram um nível satisfatório de respeito à vida. Por que nós não?
3. O braço do executivo no Brasil está mirrado. Parte da classe governante não pode agir. Encontra-se nas mãos dos que conhecem o caminho que aqueles tiveram que tomar para chegar ao poder. Estão sujeitos aos mais diferentes tipos de chantagem política. Talvez muitos dariam de tudo para se possível fosse tomarem um outro caminho no passado. Sujeitaram-se ao jogo e hoje estão presos a ele. Entraram na gaiola de ouro.
4. Sem participação popular o Brasil não muda. Temos que acompanhar de perto os passos dos que se encontram no poder. Estes são comissários da população que os elegeu. Sim, eles são homens e mulheres em cujas mãos um certo poder foi depositado para servirem ao país. É loucura parar o exercício democrático no simples ato de votar. É como depositar uma quantia de dinheiro nas mãos de um investidor e depois não se preocupar mais em saber o que ele está fazendo com o dinheiro. Grande parte dos que se elegeram já chega corrompida ao poder. Outra deixa-se corromper quando chega. Uma fração diminuta composta por pessoas de bem e que têm apreço pela pátria nada pode fazer. Nestas esferas a locomoção é quase impossível para qualquer pessoa bem intencionada. Carecemos, portanto, de saber o que está ocorrendo. O que esta gente está fazendo. Há lentidão? Há ligação com o crime organizado? Há burrice e falta de visão? Por que constrói-se toda uma estrutura para uma competição esportiva e não se encontram recursos para investir em educação, desfavelizar as cidades, construir mais presídios, pagar melhor nossos policiais e oferecer mais segurança nas ruas?
5. A mera discussão sobre os problemas da cidade e todo debate filosófico sem ação não mudam a história. Você deveria tomar a decisão de ficar calado se não faz nada. Eu, por exemplo, não o ouviria de boa mente. Não posso acreditar na sua indignação se ela o leva apenas a ficar rouco de tanto falar e não cansado de tanto agir.
6. Dizer que a maior certeza que se tem na vida é que Deus existe e permanecer inerte, e, não apenas isto, contribuir para a promoção do inferno sendo um péssimo marido, esposa, filho, amigo, empregado, patrão e cidadão é uma afronta aos céus. Até os demônios crêem e tremem. Não tenha a fé que a Bíblia chama no livro de Tiago de “fé dos demônios”. Que sua fé venha acompanhada de amor. Amor que o leve a se importar com o seu semelhante. E como corolário deste mesmo amor se importar com a sua cidade.
Aguardo por você. Começamos alguma coisa recentemente. Entramos de cabeça no Rio de Paz. Aí está um caminho de participação. Procure se informar. Entre em nosso site. Dê o seu nome. Participe das manifestações públicas. Ou, então, caso você tenha encontrado um caminho mais eficiente, vá à luta. Reúna pessoas. Pode ser que Deus esteja lhe levantando para fazer algo de especial. Falo com sinceridade. Só não fique parado, pois se nós não agirmos quem intercederá por nós e pelos milhares que amanhã poderão aparecer mortos? Como disse Edmund Burke: "Para que o mal triunfe, é necessário apenas que os homens de bem permaneçam inativos".

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

ENVOLVENDO PESSOAS NUM SONHO CHAMADO RIO

Sou um carioca que tem um sentimento bastante ambivalente pelos seus conterrâneos. Por um lado, a pena de ver tanta gente espoliada de quase tudo que é direito inalienável do homem. São os idosos de Copacabana que se encontram na mais profunda solidão, tendo que viver com uma nostalgia incurável em apartamentos escuros, úmidos e cobertos de fuligem. São os jovens da Zona Sul e Barra da Tijuca, dependentes de drogas, sem referência de pai e mãe, entregues a uma cultura que lhes ceifa o que de melhor um ser humano pode fazer por si mesmo, que é o cultivo do seu coração e da sua mente. São os favelados obrigados a conviver com esgoto a céu aberto, ratazanas que lhes roçam os pés, mosquitos que lhes empolam a pele e uma favela que lhes foi enfiada no coração, entre tantos outros mais, cuja existência é banalizada por uma sociedade que perdeu de vista a santidade da vida humana.

Por outro lado, experimento a revolta de ver o povo que fala com meu sotaque, que como eu gosta de feijão preto, torce comigo no Maracanã, freqüenta as praias que me encantam e tem o senso de humor e a simpatia que tanto aprecio, permanecer insensível e inerte em face a todo horror infernal que se instaurou na nossa terra. Por que é imoral pedir que a música cesse após a cidade ser ferida na alma e experimentar uma catarse coletiva? Por que nos reunimos para tudo, menos para defender a justiça e o direito?

Acontece que recentemente passei por duas experiências que me encheram de esperança. A primeira foi na sexta-feira, dia 9 de fevereiro. Estávamos fazendo o segundo manifesto contra a violência na Cinelândia promovido pelo Rio de Paz. Subitamente, surge um jornalista do Jornal da Globo para me entrevistar. No meio da entrevista, tratou de me avisar que o grupo carnavalesco O Cordão do Bola Preta estava se aproximando da Cinelândia. Sendo assim, perguntou-me se eu não temia o que iria acontecer com a chegada do bloco de carnaval. A preocupação do jornalista era legítima. Nosso protesto estava sendo conduzido de modo solene, com pessoas em silêncio, vestidas de preto e velas acesas na mão. E, muitas delas evangélicas. E do outro lado, uma multidão se aproximando a sambar. Disse ao repórter que eu tinha certeza de que o bloco haveria de parar. Estava certo de que todo o clima emocional da cidade favorecia uma atitude respeitosa por parte dos foliões. Pois bem, logo após o término do nosso protesto, um senhor de aproximadamente 70 anos de idade me procurou dizendo que havia conversado com alguém do bloco que lhe garantira que eles certamente respeitariam o nosso protesto, fazendo um minuto de silêncio.

Nisto surge o bloco na Cinelândia. E nada de silêncio. Meu coração ardia de desejo de vê-los sentir o que estávamos sentindo pela cidade, participando de um momento de expressão de amor pelo Rio de Janeiro. Sendo assim, partimos na direção da turma da folia com nossas faixas e cartazes. Não havia nenhuma animosidade em nós. Somente o anseio acima expresso.
Após passar por entre centenas de pessoas, demos de cara com o condutor do caminhão de som, que com seu microfone comandava o samba. Apresentei-me e pedi-lhe que o grupo respeitasse um minuto de silêncio em respeito à dor de tantos cidadãos cariocas. Aquele homem, cujo nome desconheço, mas cuja memória jamais sairá da minha mente, parou tudo e pediu às pessoas que fizessem o almejado minuto de silêncio.

Foi surpreendente o que veio em seguida. Ele retoma a palavra e faz a seguinte afirmação: “Em 89 anos do Cordão do Bola Preta nós nunca paramos de cantar e sambar para fazer um minuto de silêncio”. Em seguida ele me passa o microfone. E lá estava eu, com o aparelho na mão, andando com o carro de som atrás de mim, conduzindo o Cordão do Bola Preta e dizendo a todos: “Não estou aqui querendo botar água no seu chope, mas hoje eu o chamo para considerar o que está acontecendo na nossa cidade, e retornar para este mesmo lugar no dia 26 de março, não para sambar, mas para lutar pela justiça e pela paz”. O lugar estava repleto. Ninguém me vaiou. Até bêbado veio me cumprimentar.

No domingo partimos para o Maracanã. Botafogo e Flamengo. Julgávamos que não podíamos deixar de aproveitar a oportunidade. Minha idéia era levar um grupo de torcedores com a camisa do Flamengo para a torcida do Botafogo e vice-versa. Liguei para o chefe da torcida Raça Rubro-Negra. Consultei-o sobre a possibilidade de levarmos faixas de protesto para o Maracanã e introduzirmos torcedores do Botafogo na torcida do Flamengo como um gesto simbólico de paz entre os homens na nossa cidade. Muito gentilmente ele permitiu que levássemos as faixas, mas julgou que não poderia me dar garantia nenhuma quanto à idéia da paz simbólica, certamente preocupado com a reação de tantos que não foram previamente informados sobre o evento.
Largada a idéia do gesto simbólico, o que fizemos foi nos dividir em dois grupos. Um foi para a torcida do Flamengo com as faixas e o outro para a torcida do Botafogo. Como bom torcedor do Botafogo, minha opção foi a de me dirigir para a torcida do meu time de coração. Assim que chegamos, pudemos ver o respeito de todos. Nenhum grito ou assovio desrespeitoso. Um rapaz que se identificou como sociólogo se aproximou de nós e disse: “Quando os vi passar com os cartazes eu disse para mim mesmo, já que eu acredito nisto tudo a mim me cabe participar”. Jornalistas pediam que erguêssemos os cartazes para sermos fotografados. Uma repórter apareceu para me entrevistar. Pude dizer-lhe que estava ali na condição de um carioca que ama a sua terra.

O momento que mais nos comoveu estava para chegar. Virei-me para o meu amigo Paulo um estudante de direito que estava comigo e lhe sugeri que fôssemos na direção da maior torcida do Botafogo, chamada Fúria Jovem, a fim de envolvermos os torcedores no momento que a cidade estava vivendo. Ao chegarmos com um cartaz escrito Rio de Paz, nos dirigimos no meio da multidão para o exato local onde ficam as pessoas que dão o toque do que vai ser cantado pelos torcedores. Ao chegar, pedi silêncio. Todos se calaram. E disse-lhes, em voz bastante alta, a fim de que todos ouvissem, que eles deveriam naquele dia não apenas torcer pelo seu clube, mas clamar pela paz, pois um menininho de 6 anos, coincidentemente torcedor do Botafogo, havia morrido brutalmente naquela semana. Cheguei a dizer que esta era a vontade de Deus! Todos nos aplaudiram. Meu irmão, que estava por perto na arquibancada sem eu saber, disse-me depois que ficou em estado de perplexidade.

Foi com emoção que, naquele dia, na hora do minuto de silêncio em memória do menino João Hélio, ouvi pela primeira vez em mais de trinta anos de Maracanã torcedores gritarem: “Justiça”. Eram os mesmos torcedores do Botafogo que puxados pelo grupo que havíamos procurado expressavam o sentimento de toda uma população.

Não há maior necessidade nestes dias do que a de nos aproximarmos do povo. Muitos ainda não perderam a alma. Precisam de esclarecimento e serem despertados para o que está acontecendo e o que a população deve fazer para que nossa amada cidade mude. Alguém já disse que todo artista tem que ir onde o povo está. Se os que se julgam alguma coisa, intelectuais, articulistas, professores universitários, atores, pastores, entre outros, conseguissem falar para esta gente numa linguagem compreensível e apaixonada, incutindo-lhes o sonho da união da cidade partida, certamente muitos haveriam de ouvir. E se envolveriam, lutando, cantando e torcendo pela paz e pela justiça.
Antônio Carlos Costa
Pastor da Igreja Presbiteriana da Barra
Presidente do Rio de Paz

sábado, 10 de fevereiro de 2007

OLHOS SECOS E BRAÇOS CRUZADOS


“Essa foi uma época em que toda a Inglaterra trabalhou e se esforçou até o limite máximo e esteve mais unida do que nunca. Homens e mulheres esfalfavam-se nos tornos e máquinas das fábricas até caírem no chão, exaustos, e terem de ser arrastados para longe e mandados para casa, enquanto seus lugares eram ocupados por outros que já haviam chegado antes da hora... o sentimento de medo parecia ausente do povo, e seus representantes no parlamento não ficaram aquém deste estado de ânimo... muitíssima gente se mostrava decidida a vencer ou morrer”.
O relato acima foi feito pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Com profunda gratidão pela bravura do povo inglês, num período em que a Inglaterra encontrava-se solitária na resistência ao nazismo, o grande estadista lembra-se daqueles dias em que sua pátria foi salva pelo suor, união e coragem do seu próprio povo.
Não resta dúvida de que o nosso estado carece de uma mobilização desta natureza por parte da sociedade civil. A pergunta, contudo, que se nos apresenta é: o que houve com o povo do Rio de Janeiro? Por um lado há a perplexidade com a patologia social que enfrentamos. Nunca tantos foram mortos sem clemência. Nunca tantos mataram sem remorso. Mas, o mal sociológico que enfrentamos não é apenas caracterizado pela prática ativa do crime. Ele está presente também nos olhos secos dos que contemplam a dor de milhares de famílias e nos braços cruzados dos que são meros espectadores da calamidade que nos cerca.
Quando ando pelas ruas da nossa cidade, fico pensando no que pode ser feito para tirar o cidadão carioca da apatia em que se encontra. O que fazer para que ele passe a sentir? Ou, canalizar o sentimento que existe para algo concreto e que transforme? Como conscientizá-lo do poder que tem de mudar a história desta cidade a massa que lota a Sapucaí, o Maracanã e a praia de Copacabana?
Muito embora saiba que não está no homem o poder de transformar os sentimentos de uma pessoa, entendo que ninguém é mudado no campo das emoções enquanto não for mudado no campo da razão. A verdade liberta. Por isso, gostaria de levar os cidadãos da nossa cidade a considerarem os seguintes fatos:
1. Não devemos esperar a tragédia alcançar a nossa família para passarmos a agir. Fazer algo antes da dor nos atingir é sinal revelador de que não precisamos ser feridos na alma e na carne a fim de aprendermos a ser gente.
2. O jogo político-eleitoral tem minado a liberdade de ação dos nossos governantes. Muitos sabem o que devem fazer, mas não podem. Estão presos, sujeitos as táticas de intimidação dos que conhecem o caminho que aqueles tomaram para chegar ao poder. O presidente da república numa entrevista recente disse que todos praticam este jogo. Sem participação popular não haverá solução. Temos que acompanhar de perto as ações do governo, apoiá-lo em toda iniciativa que vise o cumprimento da constituição federal e defesa da vida, e, não tolerarmos atrasos na peleja contra a barbárie ou cumplicidade com o crime.
3. O protesto nas ruas é um meio democrático e eficaz de transformação. Os franceses o chamam de “le pouvoir de la rue”. O poder da rua. Nações desenvolvidas sabem disso e o praticam até hoje.
4. A organização da sociedade para a participação pacífica dá-se de modo simples. Igrejas podem participar. Não sei se há um lugar melhor para começar. Ali as pessoas já estão juntas. É só ter alma. Associação de moradores, união de estudantes e até torcidas de futebol podem se organizar para a batalha em favor da vida.
5. Se nós do Rio de Janeiro nos organizarmos para o combate a violência, nossa afamada alegria não será vista como a alegria dos alienados e descerebrados.
Povos do passado, unidos, venceram conflitos mais graves do que os nossos. Nós cariocas estamos diante da possibilidade de fazer correr pelo mundo inteiro a notícia de que a batalha contra o crime na nossa cidade, foi vencida por um povo que não se reúne apenas para sambar, mas para lutar pela justiça e paz também.

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz